11.3.04

A universidade e o processo de Bolonha

Os países membros da União Europeia (os actuais e os que vão aderir em 1 de Maio de 2004) assinaram a declaração de Bolonha que estabelece regras que uniformizam o ensino universitário. A entrada em vigor estava prevista para 2010, mas foi antecipada já para o ano lectivo de 2004/05.

O novo sistema estabelece três ciclos: um primeiro grau de três anos, correspondente à actual licenciatura; o segundo, de pós-graduação a que equivale actualmente o mestrado, de mais dois anos; e um terceiro, conducente a doutoramento, com mais dois anos. Aposta-se em aumentar a qualificação académica da população universitária europeia, para reforçar o ratio de doutorados por população. Com a nota adicional que, a ser cumprido o optimismo do processo de Bolonha, teremos cada vez mais doutorados antes de chegarem à casa dos trinta anos. Se uma pessoa nunca reprovar, nem se enganar nas escolhas durante o seu percurso universitário, pode obter o doutoramento com 24 ou 25 anos!

O processo de Bolinha também prevê novas metodologias de ensino. A opção passa por ensinar os alunos a aprender por eles mesmos, a encontrar ferramentas de trabalho e a saber utilizá-las. Já não é colocada a ênfase na transmissão de conhecimentos e saberes. Serão os alunos, fora da sala de aula, com as dicas fornecidas pelos professores, que estarão na senda do auto-conhecimento. Desresponsabilizam-se os professores, que terão que trabalhar cada vez menos na preparação das suas aulas. Em contrapartida, confere-se maior responsabilidade aos alunos, empossados na obrigação de encontrar o saber e de o conseguir decifrar.

Este processo comporta um hiato perigoso. A minha experiência pessoal (onze anos) permite-me testemunhar como, ano após ano, é menor a responsabilidade dos alunos. Não vejo como será possível incutir-lhes esta dose de responsabilidade necessária para os conduzir à auto-aprendizagem. A menos que se insista, na esteira das novas técnicas pedagógicas que escarnecem da avaliação de conhecimentos, que os alunos sejam submetidos a um sistema de avaliação deveras flexível. É a entronização do facilitismo, mais adubo para a mediocridade reinante.

Há um terceiro elemento do processo de Bolonha que me desagrada: a possibilidade de encurtar o trajecto universitário de alunos que compareçam na universidade senhores de uma “experiência profissional relevante” (ainda que não preencham os requisitos de escolaridade que dão acesso à universidade). Trata-se de uma inadmissível desigualdade de oportunidades, colocando os mais jovens numa posição de desfavorecimento perante os mais velhos. E desagrada-me imaginar os Armandos Varas deste país, com pouco mais do que a quarta classe, poderem entrar na universidade directamente para o terceiro ano e num só ano alcançarem o almejado “canudo”. Apenas porque têm “uma experiência profissional relevante”, sabe-se lá baseada em que critérios.

O processo de Bolonha tem uma filosofia igualitária, um esforço de democratização dos graus académicos. Pretende que mais pessoas tenham acesso a graus universitários, como se isso fosse a panaceia para a melhor qualificação da sociedade. Acredita-se que uma Europa com mais doutorados será uma Europa perfeita, mais feliz, com mais pessoas próximas das suas realizações profissionais e pessoais. Talvez se estejam a criar as condições para um cenário oposto. Para que tenhamos na Europa uma coisa parecida com o Brasil da década de noventa, com os magotes de licenciados em direito que não iam além de taxistas. Suspeito que o processo de Bolonha vai criar hordas de doutorados a quem só restam ocupações profissionais abaixo das suas qualificações, ou mesmo o desemprego.

Como as coisas se encaminham, sinto-me cada vez menos um académico.

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