25.3.04

Um cartão amarelo para o governo ou para o PS?

Nos últimos dias tenho dado de caras com uma enxurrada de outdoors dos socialistas pedindo aos portugueses para punirem o governo nas eleições para o Parlamento Europeu. Num ano de abundante futebol, a retórica passa pelo tema. O PS pede que seja mostrado um cartão amarelo ao governo de Durão Barroso. Ao mostrar cartão, o árbitro – fico sem perceber se são os eleitores ou se é apenas o pessoal do PS… – explica as razões da admoestação: as listas de espera nos hospitais são a razão invocada no cartaz que acabou de se cruzar comigo.

Esta mais recente exibição de imperícia dos socialistas passa impune, sem ser desmascarada pelos órgãos de comunicação social. Não há ninguém que consiga explicar ao líder do PS que as eleições de Junho têm como objectivo eleger deputados para o Parlamento Europeu? O que faz sentido é debater temas relacionados com a União Europeia, mais ainda num ano tão crucial para o desenvolvimento da União (o alargamento a oito países de leste, Malta e Chipre; a Constituição da União Europeia).

Era bom que alguém assentasse as ideias dos socialistas cá do burgo, esclarecendo que era importante debater temas europeus quando as eleições são europeias. Em vez de lavar a roupa suja da política doméstica, por uma vez seria aconselhável que os políticos nacionais não se deixassem enredar nas teias da mais execrável demagogia. Basta relembrar os momentos de extrema importância que vão assinalar a vida da União Europeia durante o ano de 2004. E se tanto se reclama que os cidadãos vivem divorciados da União Europeia (o que legitima, para muitos, as acusações de défice democrático da União), como compreender que sejam os políticos nacionais a alimentar esse sentimento de desconfiança?

Como se sentirão os eleitores quando são chamados a votar para o Parlamento Europeu e verificam que há partidos que tentam discutir tudo e mais alguma coisa (da política doméstica) menos o que verdadeiramente interessa nessas eleições? Temo que muitas pessoas se sintam defraudadas por este tipo de baixa política, não se sentindo motivadas para acorrer às urnas. E depois vem o incrível Ferro Rodrigues, pesaroso, alertar para a necessidade de estender o horário de abertura das mesas de voto para combater a (mais que certa) elevada abstenção. Com uma tirada de um mau gosto atroz: “há mar e mar, há ir e votar”, disse, ao jeito da péssima publicidade a detergentes.

Sempre que me atravesso com estes outdoors, interrogo-me sobre quem merece ver o cartão. Mais do que admoestar o actual governo, quem merece ver um cartão é o actual PS – e não será apenas o cartão amarelo…Com tanta inabilidade para gerir a agenda da oposição, este PS é co-responsável pelo mau governo que temos. Co-responsável porque a coligação PS-CDS não tem que se preocupar com a ameaça do maior partido da oposição, na medida em que é uma oposição ausente.

A má oposição alimenta um mau governo, que não é obrigado a dar o melhor de si por não sentir que tem rivais à altura. Se o governo merece um cartão amarelo – e merece-o, sem dúvida – este PS não passa sem um cartão vermelho. Mas estes cartões não devem ser mostrados nas eleições para o Parlamento Europeu. Não é o local nem o tempo adequado para proferir estes julgamentos através da força do voto.

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