Não são muitas as vezes que tenho que ir aos correios. Perto de minha casa há uma estação. Por razões de conveniência é esta a estação que utilizo. É uma estação muito frequentada, sendo raro encontrar poucas pessoas na fila para o atendimento. Dando razão aos que criticam a escassa racionalidade na gestão dos meios de que os serviços públicos são pródigos, aquela estação muitas vezes tem apenas dois balcões abertos para atender a larga afluência de utentes. Apesar de serem cinco os balcões criados, só por uma vez testemunhei três deles a funcionar. Como é óbvio, as filas de espera estendem-se pela estação.
Por vezes desisto ao chegar. A fila prolonga-se para o exterior do edifício. É o prenúncio de uma espera longa. Outras vezes tenho a agradável surpresa de lá chegar e deparar com meia dúzia de pessoas. Como significa uma espera de uns escassos minutos, aguardo pela minha vez. Só que, por vezes, a surpresa está ao dobrar da esquina. À minha frente estão os velhinhos que dedicam pacientemente largos minutos da sua rotina diária para acamparem na estação de correios. E para fazerem outras pessoas, com menos tempo disponível, desesperarem por tanto tempo desperdiçado em tarefas que podiam ser resolvidas fora dos correios.
Da última vez que lá fui estavam apenas cinco pessoas à minha frente. Num dos balcões era atendida uma senhora avantajada de formas, complicando a vida do funcionário por entre mil e uma caixas que podiam servir para as suas encomendas. Quase todo o tempo que ali passei a senhora monopolizou aquele balcão. A fila foi avançando até que as duas senhoras idosas que estavam à minha frente tinham que se demorar. A primeira tinha tirado aquele tempo ao final da manhã para proceder os inúmeros pagamentos que podem ser feitos no Multibanco ou por transferência bancária. Vi logo, ainda esperava a sua vez na fila, que estava carregada de facturas. Era a factura da EDP, dos SMAS, da TV Cabo, da Portgás, da Portugal Telecom e da Optimus. Com todos estes pagamentos escoaram dez minutos, enquanto a gorda do lado continuava hesitante acerca das caixas para expedir as suas encomendas.
Despachada a primeira senhora, era a vez da outra que estava à minha frente. Também vinha com uma carrada de papéis, e fiquei assustado só de imaginar que ia estar mais dez minutos especado. Para piorar o cenário, a senhora ia levantar a sua pensão de reforma antes de pagar a luz, a água e o telefone (vá lá, não havia TV Cabo nem telemóveis para liquidar…). Só que ela também levava os papéis de uma vizinha que lhe tinha pedido o favor de levantar a reforma. Primeiro apresentou o documento relativo à sua reforma. Depois da contagem do dinheiro, apresentou os papéis da vizinha. Para exasperação da funcionária, que não compreendia porque não tinham sido apresentados os dois papéis de uma só vez. “Porque a esta senhora quer tudo assim direitinho, tudo separado”, respondeu, como que sacudindo a água do capote, enquanto assistia à contagem das notas nas mãos da funcionária e depois, zelosa ou desconfiada, fazia o mesmo (duas vezes) antes de abandonar os correios.
Por fim a minha vez. Uma demora de mais de vinte minutos, quando à entrada tinha a esperança que nuns breves minutos seria atendido. Quando avancei para o atendimento olhei para trás. A fila já se aproximava da porta da estação dos correios. Vinte e cinco pessoas tinham-se acumulado. Algumas não disfarçavam o incómodo pela demora causada pelas senhoras que me antecediam.
Não sei se será desconhecimento ou desconfiança nos novos métodos que permitem efectuar pagamentos e recebimentos deste género fora das estações de correios. São pessoas idosas, é certo. Acredito que muitas não têm sequer cartões que lhes permitam ir a caixas Multibanco para liquidar com maior comodidade estas contas caseiras. No caso da primeira senhora, causa-me estranheza que ela se preste ao incómodo de efectuar estes pagamentos numa estação de correio. Não seria por desconhecer outras formas de pagamento mais cómodas, ela que minutos antes de ser atendida exibia a uma amiga, com garbo, as fotografias das recentes férias na ilha grega de Rhodes.
Estas pessoas fazem dos correios uma casa necessária que visitam com regularidade. Uma peregrinação periódica, uma peça fundamental da rotina que elas criaram. Mais do que desconhecerem as outras modalidades de pagamento destes serviços, mais do que desconfiarem dessas alternativas, estes idosos inculcaram um hábito de que não se conseguem desprender. No rescaldo, torram a sua paciência em filas enormes nas estações de correio. E são eles que contribuem para que outras pessoas, em busca de um atendimento célere para tarefas simples, percam tempo infinito à espera de serem atendidas.
Ainda os correios na sua versão ancestral de “casa familiar” que as pessoas gostam de visitar. Quase como se fosse uma segunda ou terceira morada onde se sentem em casa, mesmo que percam meias horas ou mais numa espera que para eles não é cansativa. Antes recompensadora. Estranhamente recompensadora.
8 comentários:
Olha que coincidência!
Outro dia fui aos correios fazer um favor à pessoa que partilha comigo a sua vida (!!!). Aqui na terrinha, os correios são no centro da cidade e, como é óbvio, não há lugar para estacionar. Deixei o carro em cima da passadeira, crime punido por multa aqui nestes lados, levei o "embrulho" atrás, e lá fui eu para a fila.
Tinha 6 pessoas há minha frente, havia quatro funcionários ao balcão, mas só três atendiam o público. O quarto funcionário carimbava furiosamente uma montanha de sobrescritos. Entretanto, aproxima-se dele um velhote. Cumprimenta-o, eram conhecidos. O funcionário pára o seu trabalho, atende aquele senhor, que nem tinha tirado a sua senha de vez, entregando-lhe a carta registada que lá tinha ido buscar, e regressa ao seu trabalho de carimbar os sobrescritos sem olhar para o resto dos clientes que, atónitos, nem queriam acreditar.
É que nos outros balcões, estavam clientes muito demorados: uma senhora cheia de cartas e envelopes almofadados, e várias pessoas de idade que demoram sempre muito tempo a ser atendidas. Estive ali mais de 15 minutos até chegar a minha vez.
Sempre com um olho no carro, não fosse chegar um polícia, lá aparece o número da minha senha no quadro electrónico. Entrego o aviso de registo, a senhora olha para mim e diz-me: "Ah! Não é aqui! Tem de ir à outra estação de correios lá em cima!".
Lá em cima? Outra estação? Mas esta terra tem DUAS estações de correio?!? Que civilização!
Com um suspiro, lá voltei ao carro com o "embrulho" atrás, e fui à procura da outra estação de correios!
Tinha quatro pessoas à minha frente, mas felizmente foram menos de cinco minutos de espera. Para compensar!
Por isso, não te sintas só!
Olá!
Eu sou o tipo que ajudou a fazer o "embrulho". Fiquei contente por saber que a MINHA MULHER é capaz de sacrificios destes por minha causa.
A ambição de cada um de nós deveria ser conseguir ter o maior número de dias de vida em que estas situações (nos correios) nos fazem sorrir e não enervar.
Looking forward
Mesmo o mais estóico não conseguirá disfarçar algum incómodo, pelo menos. Talvez seja mais fácil encarar estas coisas com leveza a quem não passou por elas alguma vez. Confesso que não consigo sair dos correios, depois de quase meia hora perdida com umas caganeirices de umas velhinhas que se recusam a viver no século XXI, e ainda esboçar um sorriso. Por mais que me esforce, não consigo. Mas também não fico horas assoberbado como episódio!
Paulo Vila Maior
Pois é! Mas cada vez que o Looking forward tem de ir a uma repatição pública, vem SEMPRE a refilar contra o péssimo serviço prestado, e a dizer que eles deviam trabalhar numa empresa privada para saberem o que é trabalhar e atender clientes!
Onde está o sorriso???
CP, pelos caminhos de Portugal
CP:
Vais-me desculpar (defeitos ideológicos, talvez), mas aqui o LF tem toda a razão: essa gente devia saber o que é trabalhar a sério, experiência que não conhecem na função pública e organismos afins. Nunca te sucedeu ir em peregrinação de paciência a um destes locais e sais de lá, tempo depois, com a sensação de que tu, utente, é que estás lá para servir suas excelências, os funcionários (e não o contrário, se vivêssemos num sítio normal)?
Terás razão quando relembras que o LF se esquece de praticar o que apregoa (afinal não consegue sair com um sorriso nos lábios depois de aturar a má educação e a incompetência de um qualquer funcionário público. Mas mesmo essa conclusão pode ser tirada com um enorme sorriso nos lábios. Sobretudo para aqueles radicais (me confesso) que defendem a privatização total da função pública…Se calhar sem saberes, o LF é um destes radicais!
Paulo
Eu concordo que o mau serviço prestado é exasperante. E concordo que uma experiência numa empresa privada faria maravilhas aos funcionários públicos. Ou, se cahar, se o seu salário passasse a ser indexado a objectivos de cada repartição, as coisas melhorassem.
O meu objectivo o falar do LF era mostrar que, por vezes, é bom seguirmos os nossos próprios conselhos. Mas como ele agora é um gajo importane, manda outros fazer estes servicinhos, e ainda tem a lara de cantar de galo, e dizer que devíamos sorrir!
Snob e elitista, é o que é!
CP, pelos caminhos de Portugal
Os momentos de espera são como pausas necessárias.Se os soubermos aproveitar poderemos ter gratas surpresas.
São momentos que devemos valorizar, em que pensamos, descontraimos e recuperamos um pouco de folego para aqueles dias complicados que todos temos.
Esperar, nem que seja 5 minutos vai permitir nos reorganizar e interiorizar um pouco os acontecimentos desse dia, dessa semana, desse mês, desse ano, desta vida.
Olhar e sentir o que se passa à nossa volta.
Esperar é viver
Carter
Carter! Já tinha saudades!
Também acho que tens razão!
Afinal, não há coincidências e se esperamos é porque atraímos essa espera, não é?
Obrigada por me relembrares!
Enviar um comentário