O cenário é a trapalhada das colocações dos professores nas escolas públicas. As listas que se sucedem, cravejadas de erros, obrigam ao prolongamento da angústia de tantos professores. Regras caducas insistem na centralização do processo nos burocratas do ministério que estão longe das necessidades sentidas por cada escola. Regras que exalam um odor fétido da planificação marxista que teima em vogar sobre a sociedade. Para piorar o diagnóstico, estas regras absurdas prevêem excepções, trazendo privilégios aos professores casados com funcionários públicos. Estes professores sobem na escala de prioridades, tendo preferência na colocação. Eis a igualdade em todo o seu esplendor!
É a mesma igualdade apregoada por certas correntes inspiradas nos valores herdados da Revolução Francesa. Igualdade, liberdade e fraternidade, o tríptico que encaminha estas mentes iluminadas sempre dispostas a intervir para que o destino igualitário seja alcançado. Com as entorses entretanto conhecidas, para gáudio de outras correntes ideológicas que foram nascendo, valoriza-se a igualdade e esquece-se a liberdade.
A fraternidade é um adorno. A versão contemporânea é a solidariedade, defendida pelos percursores dos ventos vanguardistas que relembram a toda a hora os deveres de solidariedade para como o outro. Um dever que se inscreve na rota de cada um enquanto participante activo na sociedade. Um dever inalienável que pesa sobre a consciência de cada indivíduo. Os que renegam a solidariedade são os párias do mundo contemporâneo. Não é o lugar nem o momento para discutir este “imperativo categórico” que nos alicerça o comportamento. Direi apenas que não me apanham na barca colectiva de uma solidariedade que não passa da aparência. Não aceito que me imponham, de fora, os deveres de consciência que só ela é capaz de ordenar.
Interessa reflectir sobre a igualdade. Como todos os dogmas, está cheio de brechas que à mínima pressão o fazem desabar com estrondo. De tanto se querer impor a igualdade como valor que conduz as relações entre os indivíduos, não se dá conta como a igualdade está no domínio do irrealizável. Porque há uma impossibilidade natural de prover a igualdade entre todos os membros que compõem a colectividade. Por mais que seja difícil aceitá-lo, nascemos todos desiguais. Assim que somos concebidos, ainda no ventre das progenitoras, já somos carimbados pela desigualdade que é uma mera extensão de condições desiguais – a geografia, o passado familiar, o meio social onde nos inserimos, o tempo em que vivemos, etc. O prolongamento da desigualdade uterina tem expressão mais visível ao longo da vida de cada pessoa. Querer ir contra esta força da natureza é um acto viciado, é querer corromper as regras do jogo. Porque a igualdade não se impõe por decreto, inscrevê-la como matriz de um programa ideológico é apenas enganar as pessoas que são enternecidas pela ideia.
A ideia pode ser bela, conter os predicados que atraem massas. Terá sido um acto de inteligência a descoberta da igualdade. Foi-o para os sectores que a ela se agarram como a âncora que fideliza a base social de apoio que representa o capital de permanência no poder. Terá sido um acto de inteligência, mas de mero oportunismo. Não creio que os ideólogos da igualdade acreditem que o programa igualitário é realizável. Oportunismo, porque a ideia de igualdade é usada com demagogia. A palavra ressoa como um rebuçado que adoça a boca de quem o saboreia. É uma simples ilusão que se desvanece quando o açúcar depositado pelo rebuçado perde as suas propriedades gustativas. Apenas um biombo que esconde as angústias da consciência, martirizada pelos imperativos de justiça social que nos são recordados a todo o momento, como se fosse necessário agrilhoar a consciência para a sociedade justa que somos incapazes de edificar.
Os privilégios dos professores casados com funcionários públicos devem ser denunciados. Já não bastavam as benesses dos funcionários públicos, e ainda se estabelece mais uma distinção para quem teve a sorte de com eles contrair matrimónio. Não é só o nivelamento por baixo que exaspera. É tomar consciência de que os guardiães da igualdade foram os arquitectos de um sistema que trata alguns como mais iguais entre os iguais. Afinal o romance de Orwell pode ser reinterpretado a uma luz diferente: e questionar os privilégios colocados nas mãos de uma casta menos produtiva do que os demais. Dupla injustiça, ajuizando pelos padrões dos titulares do valor da igualdade: nem todos são iguais (uns mais do que outros) e os menos habilitados são os que têm acesso aos privilégios. Interrogo-me: igualdade será premiar os incapazes?
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