Percorro a minha rua. O empedrado aparece preenchido por uma cama de folhas acastanhadas, que se acumulam junto ao passeio. Parece que ali foram cuidadosamente depositadas, abrindo alas à passagem dos carros. Esta cama de folhas secas traz a notícia do Outono que entrou no calendário – não na atmosfera, tal o calor seco e incomodativo que veio a destempo. É o Outono que se anuncia com o seu cartão de visita mais típico, as folhas que se desprendem das árvores com o vento quente e seco que as traz até ao solo num leito de regeneração. São os despojos da época estival, o prenúncio das borrascas invernais que estão para vir.
Passo pelas folhas inertes por entre a acalmia passageira do vento. Silenciosas, simbolizam a queda de uma estação, os agasalhos que se vão recuperar aos armários, as lareiras que crepitam, a chuva que cai impiedosa e insistente. Nas folhas secas que caíram das árvores estão as imagens de um Inverno que não demora a instalar-se. Com o tirocínio do Outono que o precede, para que nos vamos habituando aos rigores invernais que hão-de chegar. Diria que o Outono nos prepara para o agreste Inverno que vem de visita por uma temporada. O Outono marca encontro com algumas das intempéries que vão ser mais frequentes, mais incisivas com a chegada do Inverno.
Ao passear na minha rua detenho-me nas folhas acastanhadas que ecoam o final do Verão. Ao calcá-las, elas crepitam. Por entre a secura que delas se solta, estalam e quebram-se em pedaços. Parece que soltam gritos aflitivos, como se estivessem a despedir da efémera vida que tiveram presas aos galhos das árvores que as expulsaram pelos caprichos outonais. Mas uma imagem tão entristecida como a sugerida não é a correcta. Não é o fim de um ciclo, a morte de um ser vivo. Apenas a regeneração ditada pelos mistérios da natureza. A queda das folhas envelhecidas sugere a vinda do Outono, o final da estação luminosa que é o Verão, as árvores desnudadas que ficam expostas aos elementos, desacompanhadas numa nudez paradoxal; mas há que olhar mais além por entre as frinchas do tempo: ultrapassadas as vicissitudes da invernia, regressa o ciclo da vida em todo o seu esplendor.
Entretanto há tempo para deliciar com os tons acobreados do Outono. Passear em Trás-os-Montes, entre montanhas e vales, encontrar manchas de choupos e castanheiros que são, ao longe, um extenso quadro avermelhado. Diria que as árvores foram tingidas por uma cor diferente, como se uma mão gigantesca tivesse passado uma trincha que lhes roubou o verde que festeja o retorno ao calor. A despedida do verde dá lugar aos tons avermelhados, que com o envelhecimento das folhas se transforma no acobreado que dita a partida das folhas das copas das árvores assim que os ventos frescos do Outono as vêm agasalhar.
Muitas são as sagrações da Primavera. Muitas loas se tecem à revitalização da natureza que se transforma com a chegada da estação das luzes. Poucos enaltecem a beleza das cores que tingem o quadro outonal, os odores que se desprendem dos elementos que se aprestam a finar num momento regenerativo. Se perguntarem qual a minha estação preferida, digo sem hesitações que é o Outono. Ainda que seja difícil encontrar uma explicação racional, é o Outono que me enche as medidas.
O Outono sugere o recolhimento que a inclemência dos elementos invernais faz apetecer. O recatamento, uma introspecção que leva a procurar as energias para deixar para trás o incómodo do Inverno que há-de dobrar a esquina. O recolhimento serve para um balanço do Verão que acabou de ver rasgada a folha no calendário. O Outono, a charneira que liga o passado ao futuro, o elo de ligação que permite avaliar os erros do passado, captar as lições positivas dos tempos idos; e arrepiar intenções para o futuro que se anuncia.
Com o Outono vem uma espécie de letargia que nos prepara para o que vem a seguir. Permite recolher os despojos das folhas caídas para procurar a rota certa no doravante que há-de chegar. Com a vantagem dos elementos estarem num fulgor surpreendente, por estranho que pareça: a decadência que alguns encontram na estação outonal é uma lição para captar a essência da vida. Evitar cair nos desmandos outonais é a expressão vivencial que se retira do significado do Outono.
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