Os Ban eram um grupo de música pop liderado por um rapaz filho do famoso major Valentim Loureiro. Na altura o papá era apenas presidente do Boavista FC (tinha outras sinecuras de menor visibilidade: cônsul da Guiné-Bissau, a par de uma intensa actividade empresarial; e a sorte de ter sido bafejado com algumas gordas taludas). O delfim era rebelde, sorumbático. Vagueava pelos cafés da Boavista de caneta em riste, escrevinhando esquiços de poemas que depois eram musicados nos Ban. Rebeldia natural de quem viveu uma adolescência marcada pela figura tutelar do pai. A música e a proto-poesia seriam um escape para outros sufocos.
Os Ban chegaram a ter algum sucesso comercial. Alguns hits passavam amiúde nas rádios de maior audiência. A idiossincrasia musical do grupo foi mudando. Ao início uma banda de garagem, com uma sonoridade tangente ao punk, a passagem dos anos testemunhou uma metamorfose que trouxe ritmos mais dançáveis, melodias que entravam com mais facilidade no ouvido (e que também esgotavam mais depressa a paciência auditiva do ouvinte…).
João Loureiro foi perdendo a máscara de rebeldia. Domesticou-se, começou a mostrar uma imagem mais “limpa”, menos lúgubre. A sonoridade mais dançável era o pretexto para a nova imagem mais simpática à maioria das pessoas – ou vice-versa. O sucesso nos tops musicais era a expressão visível de que o jovem Loureiro começava a fazer as pazes com a “sociedade normal” de que o seu pai era lídimo representante. Na metamorfose, porém, uma coisa não mudou: a manifesta falta de jeito para cantar do vocalista dos Ban. A alcunha “aprendiz de cantor” encontra aqui a sua razão de ser.
Os anos passam e as mentalidades mudam-se. A inquietação do passado deu lugar à postura responsável, ao pai de família, ao jovem advogado que começou a trajar o fato e a gravata que apresentam marca de respeitabilidade nas relações sociais. A fonte de inspiração musical tinha-se esgotado. Ou apenas o pretexto para dizer à sociedade que tinha abdicado da máscara de rebeldia inconsequente dos tempos de vocalista dos Ban para entrar no templo da normalidade social. Sinal dos tempos, o jovem Loureiro fez o tirocínio da ignominiosa cumplicidade entre o futebol e a política.
No futebol deu corpo à oligarquia instalada no Boavista FC, sucedendo ao seu pai que entretanto passou a ocupar-se da Liga de Futebol (a par de inúmeros cargos políticos, de autarca a presidente de empresas públicas e da zona metropolitana do Porto, num desdobramento de si mesmo que causa inveja aos que sentem que as 24 horas de um dia são escassas). Na política, mercê do cunho impressivo do seu pai, tinha que se encostar ao PSD. Foi subindo a pulso, sem grande notoriedade dentro do aparelho partidário.
Chegou a deputado da nação, sem levar até ao fim o seu mandato. Era incompatível com a exigente função de presidente de um clube de futebol que quer rivalizar com os três tradicionais grandes. Começava a preparar o salto para outras funções políticas quando uma investigação judicial envolvendo o seu pai lhe tirou o tapete. O “apito dourado” trouxe à superfície as pontas tentaculares do polvo política-futebol-construção civil de que há tanto tempo se falava em surdina. Sendo filho do principal suspeito, o jovem Loureiro viu os seus projectos ruírem. Quando se anunciava um lugar elegível na lista de candidatos ao Parlamento Europeu, lá teve que se resignar à queda do seu nome em favor dos interesses do partido.
Amputadas as ambições políticas, adivinho-o tomado por uma profunda angústia. Os projectos tinham sofrido um golpe sem que ele fosse responsável pelo retrocesso. Ter-se-á apoderado dele um sentimento de revolta, por mais uma vez o seu destino ser traçado pela presença determinante do seu pai. O clube que lidera, obrigado à contenção financeira que varre quase todo o panorama do futebol, perdeu o protagonismo que lhe permitiu ser campeão pela única vez há uns anos atrás. Anda perdido no meio da tabela, sem sequer entrar nas competições europeias.
No pináculo da maré baixa, Loureiro terá sido acometido por saudades do tempo da juventude em que a sua voz se soltava num esboço de cantoria pouco acima do limiar da inteligibilidade. Foi buscar os Ban ao baú das recordações. Notícias dão conta que os ensaios têm periodicidade semanal. Se alguns meteram o socialismo na gaveta, outros terão remetido canções frustradas para a gaveta durante os anos em que a postura responsável afastou as ambições artísticas. Agora terá chegado o tempo de virar a página. Para mal dos nossos ouvidos, as canções arquivadas na gaveta soltaram-se da poeira do tempo. Parece que João Loureiro vem atrás, aos tempos idos da juventude, em busca de um "ideal imaginário"...
5 comentários:
E tu? Que farás quando te passar a febre dos blogs? Ou quando a vida te solicitar para outras tarefas profissionais e/ou pessoais?
Estás-me a sair um preconceituoso, sem abertura para os caminhos insólitos que a vida nos apresenta de tempos a tempos!
Hoje és um ocioso dos blogs, mas poderias ter sido um advogado frustrado, um banqueiro desiludido ou um artista brilhante! Não gozes das possibilidades da vida porque ainda corres o risco de ser qual uma destas coisas...
CP
No meu comentário acima, onde se lê "qual uma destas coisas...", leia-se "qualquer uma destas coisas...".
Tinha um pirolito a distrair-me...
Já agora, resolvi o assunto da gorda!
O pirolito requer a minha atenção... como sempre!
CP, pelos caminhos de Portugal!
CP:
A preguiça é a compensação dos privilegiados. Antes isso do que advogado frustrado (bastaram-me 18 meses de experiência…).
Não há nenhuma febre “bloguística”. Apenas a necessidade de escrever – nem que por vezes seja difícil arranjar tema, ou discorrer sobre ele de forma atraente. Mas concordo contigo: tudo é passageiro na vida. Quando me passar a necessidade da escrita matinal (ou quando me saturar colocá-la na rede) anuncio a despedida sem qualquer drama.
Como nunca gostei dos Ban, e nunca apreciei a trajectória do jovem Loureiro, eis o texto de hoje. É daquelas coisas que me traz urticária à flor da pele. Preconceituoso, mas é o que penso. E quem pode dizer que não tem os seus preconceitos arrumadinhos num canto recôndito do subconsciente? Eu tenho os meus. Alguns provocam-me dificuldade em me suportar a mim mesmo.
Defendendo a liberdade de opinião, aceito que vejas no texto um preconceito lastimável. É a mesma liberdade de espírito que me leva a manter comigo os preconceitos de que não me consigo desprender. Correndo o risco de passar cá para fora alguma carga negativa.
Paulo
Não sabes....não viveste
O fel que te sai da escrita irá espalhar-se por ti e pelos que te rodeiam.
Tem cuidado, pois o elan da juventude e da novidade em breve irá desaparecer...e apenas ficarás tu ... e o teu fel.
Philippe
"Vi-a, naquele dia
branco rosa, assim jazia..."
Alma dorida - Ban
É o que me ocorre.
Ponte Vasco da Gama
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