1.9.04

Uma bandeira europeia nos jogos olímpicos de 2008?

Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia, parece apostado em levar até ao final o seu patético desempenho. Ontem lançou o seguinte desafio: “em 2008 espero que as equipas nacionais de Estados membros da União Europeia exibam a bandeira da União lado a lado com as respectivas bandeiras nacionais como expressão do símbolo da unidade existente na Europa” (tradução minha).

Em Bruxelas, o porta-voz de Prodi discorreu sobre os dados estatísticos dos jogos olímpicos de Atenas. Talvez por não ter nada de mais importante para fazer, este eurocrata apresentou as suas descobertas depois de manipular as estatísticas. Que os vinte e cinco Estados membros reuniram um espólio de 286 medalhas, entre as quais 82 de ouro. Quando comparado com o campeão absoluto das olimpíadas gregas, este dado é favorável à União – os Estados Unidos não passaram das 103 medalhas, sendo 35 de ouro. O zeloso funcionário esqueceu-se de revelar que os atletas dos Estados membros da União eram quase cinco vezes mais do que os norte-americanos, pelo que a comparação fica desvirtuada.

Há quem se interesse um pouco pelos assuntos da União Europeia, os que passam ao lado (a grande maioria) e os estudiosos. Por questões profissionais, encontro-me neste grupo. Entre os estudiosos, há diversas facções consoante o entusiasmo com que encaram a integração europeia. Com o facilitismo dos rótulos, é costume dividir os entendidos entre os euro-cépticos, euro-optimistas e euro-realistas. Os primeiros desconfiam do rumo que a União Europeia prossegue. A diferença entre os euro-optimistas e os euro-realistas está no devir federal para a União Europeia: os euro-optimistas acham que esse é o futuro inevitável da União; os euro-realistas rejeitam os “Estados Unidos da Europa”, mantendo os Estados membros como peças centrais do processo. Encontro-me algures entre os euro-optimistas e os euro-realistas.

Sou adepto da União Europeia, mau grado não concordar com alguns dos aspectos que imprimem o seu rumo. Mas não aceito os excessos de visionários que pretendem andar à frente do tempo. Não que os visionários sejam de desprezar: muitas vezes eles arrepiam o caminho para as soluções que hão-de ser prática corrente em anos vindouros. Fico desconcentrado com aquelas pessoas que querem ir além do passo que as suas pernas lhes permitem, armando-se em visionários quando lhes falta a chama. Prodi encaixa-se neste perfil. Desiludido com a sua falta de credibilidade, terá visto no encerramento dos jogos olímpicos uma janela de ouro para deixar a sua marca para o futuro.

O sonho de Prodi é perigoso e irrealizável. Perigoso porque é suficiente para detonar as reacções adversas de tantos quantos estão à espera da primeira oportunidade para desconstruir a União Europeia. Se há tantas resistências nacionais, como pode o presidente da Comissão Europeia ter a ousadia de propor que o que propôs? Não faltará quem se interrogue se, nos jogos que se seguem, em 2012, apenas surgirá a bandeira da União...

O sonho também é irrealizável. Por mais que os profetas dos “Estados Unidos da Europa” se esforcem por alterar as coisas, a verdade é que os esteios da União Europeia são os Estados membros. Para o bem ou para o mal (e muitas vezes é mesmo para o mal, tal a falta de espírito de comunidade entre os países), são eles que comandam os destinos da União Europeia. As pessoas identificam-se com as respectivas nacionalidades, não com a cidadania da União – que também existe, mas não passa de um simbolismo. Se as pessoas se sentem identificadas com o Estado da sua nacionalidade, fará algum sentido que a bandeira da União apareça lado a lado com as bandeiras dos Estados membros?

A minha resposta é não, mesmo estando algures entre os euro-realistas e os euro-optimistas. Porque é importante não confundir os planos, nem confundir as pessoas. Estou a imaginar o cenário idealizado no sonho de Prodi: um atleta europeu, vencedor de uma competição, sobe ao pódio para receber a medalha. No mastro mais alto, é hasteada a sua bandeira que vem acoplada da bandeira azul com doze estrelas amarelas da União. E quanto ao hino: apenas o hino nacional, ou também o hino da União?

É lamentável que se insista no protagonismo das bandeiras, desvirtuando o verdadeiro espírito olímpico. Ainda há dias escrevi sobre o assunto. Mantendo a opinião, creio ser ainda mais perigosa esta ideia absurda de Prodi do que o actual estado de coisas em que os atletas surgem em representação dos respectivos países. Apesar dos destinos comuns que os europeus trilham, conceber uma espécie de “super-Estado” europeu, como sucedâneo dos actuais países membros, é um quadro dantesco. Centralização a mais é a pior solução para os passos que a União vai dar no futuro. Será a forma de contribuir para que as pessoas voltem mais as costas para a União Europeia – logo, mais deslegitimada.

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