10.9.04

A moranguinha da Letónia

Faz amanhã uma semana. A selecção portuguesa jogava em Riga, capital da Letónia, já há quase uma hora. De repente o insólito aconteceu, com a entrada no relvado de uma jovem letã que apenas trazia em cima do corpo uma cuecas vermelhas e uma meias até ao joelho da mesma cor. Ensaiou uma coreografia desordenada pelo meio dos jogadores que assistiam com um misto de estupefacção e embevecimento.

Em ocasiões anteriores, quando espectadores masculinos saltam para o terreno de jogo são logo cercados pelos seguranças que não hesitam em recorrer à brutalidade para os manietarem. Ali aconteceu tudo ao contrário. A menina esteve, impávida, durante longos segundos sem que ninguém ousasse abordá-la. Dir-se-ia que os seguranças se intimidaram perante tal quadro surpreendente. Quando finalmente um polícia se acercou dela, pegou-lhe delicadamente pelo pulso e encaminhou-a, também com delicadeza, para o exterior. Eis uma manifestação da desigualdade de sexos favorável às mulheres: quando os invasores são homens jorra toda a brutalidade da polícia; a delicadeza é palavra de ordem quando uma mulher fez o mesmo papel.

Pelo caminho a moranguinha (assim é a sua alcunha na língua letã) teve tempo para exibir o bíceps numa mensagem decifrada que poderia ser entendida como a prova da sua coragem. De uma dupla coragem, no fim de contas: por ter desafiado a autoridade ao invadir o campo, e pela ousadia de o fazer quase como veio ao mundo.

Agora vêm a lume notícias que dão conta da possibilidade da moranguinha ser condenada a dois anos de prisão por ter ousado exibir-se da forma que o fez. Como se não fosse suficiente a perseguição judicial, também é acusada pela imprensa e adeptos da Letónia de ser a responsável pela derrota. Quem arremete com esta acusação oferece um raciocínio linear: quando ela entrou em campo o jogo estava empatado; poucos minutos depois a equipa portuguesa marcou dois golos quase seguidos que sentenciaram a vitória. Logo, dizem os acusadores, a moranguinha terá sido a musa inspiradora dos bravos rapazes lusitanos, que ficaram com as hormonas tão empertigadas que lhes serviu de mote para vergar a equipa da Letónia. Indirectamente, terá sido a ousadia da menina semi-nua que ditou a derrota da equipa local. Só falta insinuar que a menina foi comprada pelo Sr. Madail para perturbar os jogadores da casa e dar o incentivo que faltava aos nossos, para os inscrever na rota dos golos que naquela altura estavam em falta.

Este mau perder é lamentável. Parece que querem atribuir a derrota da Letónia à graciosa invasão de campo da moranguinha. Desmerecem a justeza da vitória da equipa portuguesa, tentando encontrar um bode expiatório. Como quem sugere que se não fosse o strip público, os jogadores letões conseguiriam aguentar a virgindade da sua baliza e, quem sabe, até chegar à vitória. A acusação é impiedosa: a moranguinha foi a chave para escancarar a baliza da Letónia. Eis a traição da moranguinha à causa nacional letã!

Sem se darem conta, os desorientados letões não se apercebem de como estão mergulhados no ridículo. Sugerir que a imagem da menina desnudada com os seios dançantes ao sabor da sua coreografia motivou os jogadores portugueses é o mesmo que insinuar que os jogadores letões ficaram insensíveis à performance. Tendo o episódio funcionado como um bálsamo para os lusitanos, eis a prova de como as nórdicas adoram passar férias em países latinos. Habituadas ao comportamento gélido dos seus machos concidadãos, eventualmente desapontadas com o fraco desempenho que lhes é oferecido, ficam deslumbradas com as aptidões dos másculos latinos.
Que outra ilação extrair senão esta? Se é verdade que os jogadores de Letónia passaram ao lado do acto inspirador que por segundos percorreu o relvado de Riga, enquanto os portugueses viram na moranguinha a musa que os colocou na rota das energias necessárias para se encontrarem com a vitória – que outra conclusão tirar?

2 comentários:

Anónimo disse...

Vistas agora as coisas, já deves ser capaz de admitir que aquela reacção dos seguranças naquele importantíssimo jogo do Benfica na Suiça foi muito exagerada. E que ao fazerem aquilo só arranjaram forma de provocar o público (que por acaso era português, se fosse de outro país fariam o mesmo, na minha opinião) para lhes darem um verdadeiro "enxerto de porrada".
O que fizeram ao moranguinho acho normal. Afinal, que ameaça era aquela para além da interrupção momentânea do jogo? Estas invansões devem ser evitadas por quem rodeia o campo. Se alguém invade o campo, deve ser punido pela Lei, pois existe para isso, e deve ser retirado do campo rapidamente (com mais força, se resistir - apenas).
Ponte Vasco da Gama

PVM disse...

O problema com o exercício da autoridade está no exagero no uso da violência que por vexes existe. É daquelas questões em que é difícil encontrar um limite entre o que é aceitável e o que passa a ser excessivo. Relembro o caso da Suiça, no jogo do Benfica, e é-me difícil chegar a uma conclusão inequívoca (não testemunhei ao vivo; decerto escaparam certos pormenores que tanto podiam legitimar como censurar a reacção violenta dos seguranças). A reacção despropositada do público feito de emigrantes portugueses é, afinal, a expressão do que escrevi ontem: a mania de fazer justiça pelas próprias mãos, e a “enorme valentia” de uma multidão atacar um indivíduo que se vê indefeso perante as investidas de tantos energúmenos – que não teriam a mesma coragem num frente-a-frente.

Quanto à moranguinha: só foi pena que a reacção da segurança não tivesse demorado mais tempo…

Paulo Vila Maior