Dias sem chuva tornam a terra ressequida. Depois o tempo azeda. Não daquele tempo húmido, das nuvens batidas pelo vento marítimo, aquela humidade que entra nos ossos e não se cansa de os corroer. O tempo altera-se anunciando trovoada. As nuvens ganham terreno ao céu azul e começam a tingir o horizonte. Ao início acastelam-se, parecem claras batidas para suspiros. Aos poucos deixam-se escurecer, num breu compacto que lança o aviso da tormenta que está para chegar. O ar permanece quente, abafado, quase irrespirável. À medida que as nuvens varrem o sol, umas grossas pingas de chuva começam, timidamente, a tombar sobre a cabeça. A aragem refresca-se. Lá ao longe, uma coreografia de raios instala o quadro de tempestade fugaz e violenta. A trovoada que se desenha vem acompanhada por trovões que se fazem audíveis, cada vez mais audíveis com a espessura das nuvens mais negras.
Os pingos de chuva abandonam a sua intermitência. Vão caindo mais ritmados, deixando um rasto no solo que perde a secura de longos dias de estio. Um odor inebriante pulsa da terra, mistura da água vinda do céu com os aromas depositados nos solos. Uma mistura mágica levanta um odor incomparável. Apenas dura uns segundos, quando muito uns breves minutos. Quando a chuva aumenta de intensidade este cheiro deslumbrante desaparece, levado pela água já abundante que lava as poeiras acumuladas.
Apetece parar o tempo quando se anunciam as gotas de chuva que trazem os odores magníficos. Desligado do tempo e do espaço, só reter a brevidade do perfume exalado pela terra molhada pelas primeiras gotículas vindas das nuvens tormentosas. Parar o tempo, pois essas nuvens são a ameaça para o deleite dos sentidos. Prolongar o tempo, como se cada segundo durasse mais tempo do que o retido nos ponteiros do relógio. Ou esperar pela próxima vez que à aridez estival se sucedam as chuvas que abrem as portas à enxurrada de emoções silvestres, sentir a natureza à solta. Esperar, para voltar a saborear a dança dos odores vindos da osmose de água e terra.
Nestes momentos, revigorar a mente. Ver como as coisas belas da natureza compensam as angústias do mundo. Observar como a desordem da natureza é um caos tranquilo, um manancial que alimenta as forças interiores para a sagração da beleza. Esquecer o dantesco envolvente através da organização imponderável da natureza. Fazer a ponte com os seus delicados mecanismos, sem hora marcada nem lugar anunciado, admitir que a natureza (mais do que o homem) merece atenção redobrada. Buscar nesta fonte o alimento para andar de bem com o mundo. Reter nestes momentos o quadro que nos segreda, num quente sussurro aos ouvidos, que apenas vale a pena o que é harmonioso, evitar o que o mundo traz de atroz.
É um refúgio necessário. Uma ordem intangível, luz refractária que apresenta o bem-estar. Refúgio natureza, olhar distante para os seres que como nós formam o colectivo de onde somos indissociáveis. Mas de onde apetece abstrair, para que o refúgio seja o quarto esconso onde se busca o bem-estar interior e tão ansiado. Um ascetismo que radica na excelência da natureza, uma comunhão mais íntima que abdica da propensão auto-flageladora da espécie humana.
Uma ironia: essa espécie, senhora suprema entre as espécies, é o arsenal da sua auto-destruição. Somos coveiros de nós mesmos. Por rejeitarmos o que a natureza nos ensina, na sua metódica sabedoria. Os odores que vêm do casamento entre as tímidas gotas de chuva e as poeiras assentadas no solo são a tisana que ensina uma lição de vida: o regresso à natureza, a recusa da humanidade contemporânea com os traços de destruição, sementes de ódio, intolerância que tresanda à incapacidade para aceitar (ou pelo menos compreender) quem é diferente. A harmonia da natureza fornece a lição, sempre ignorada pelos humanos que teimam em cantar a sua superioridade genética.
Os pingos de chuva abandonam a sua intermitência. Vão caindo mais ritmados, deixando um rasto no solo que perde a secura de longos dias de estio. Um odor inebriante pulsa da terra, mistura da água vinda do céu com os aromas depositados nos solos. Uma mistura mágica levanta um odor incomparável. Apenas dura uns segundos, quando muito uns breves minutos. Quando a chuva aumenta de intensidade este cheiro deslumbrante desaparece, levado pela água já abundante que lava as poeiras acumuladas.
Apetece parar o tempo quando se anunciam as gotas de chuva que trazem os odores magníficos. Desligado do tempo e do espaço, só reter a brevidade do perfume exalado pela terra molhada pelas primeiras gotículas vindas das nuvens tormentosas. Parar o tempo, pois essas nuvens são a ameaça para o deleite dos sentidos. Prolongar o tempo, como se cada segundo durasse mais tempo do que o retido nos ponteiros do relógio. Ou esperar pela próxima vez que à aridez estival se sucedam as chuvas que abrem as portas à enxurrada de emoções silvestres, sentir a natureza à solta. Esperar, para voltar a saborear a dança dos odores vindos da osmose de água e terra.
Nestes momentos, revigorar a mente. Ver como as coisas belas da natureza compensam as angústias do mundo. Observar como a desordem da natureza é um caos tranquilo, um manancial que alimenta as forças interiores para a sagração da beleza. Esquecer o dantesco envolvente através da organização imponderável da natureza. Fazer a ponte com os seus delicados mecanismos, sem hora marcada nem lugar anunciado, admitir que a natureza (mais do que o homem) merece atenção redobrada. Buscar nesta fonte o alimento para andar de bem com o mundo. Reter nestes momentos o quadro que nos segreda, num quente sussurro aos ouvidos, que apenas vale a pena o que é harmonioso, evitar o que o mundo traz de atroz.
É um refúgio necessário. Uma ordem intangível, luz refractária que apresenta o bem-estar. Refúgio natureza, olhar distante para os seres que como nós formam o colectivo de onde somos indissociáveis. Mas de onde apetece abstrair, para que o refúgio seja o quarto esconso onde se busca o bem-estar interior e tão ansiado. Um ascetismo que radica na excelência da natureza, uma comunhão mais íntima que abdica da propensão auto-flageladora da espécie humana.
Uma ironia: essa espécie, senhora suprema entre as espécies, é o arsenal da sua auto-destruição. Somos coveiros de nós mesmos. Por rejeitarmos o que a natureza nos ensina, na sua metódica sabedoria. Os odores que vêm do casamento entre as tímidas gotas de chuva e as poeiras assentadas no solo são a tisana que ensina uma lição de vida: o regresso à natureza, a recusa da humanidade contemporânea com os traços de destruição, sementes de ódio, intolerância que tresanda à incapacidade para aceitar (ou pelo menos compreender) quem é diferente. A harmonia da natureza fornece a lição, sempre ignorada pelos humanos que teimam em cantar a sua superioridade genética.
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