Depois do acidente de Julho, as condições de segurança da refinaria da Petrogal em Leça da Palmeira voltaram a ser tema quente. Mais ainda depois do relatório divulgado pelo ministro do ambiente, que detectou graves carências de segurança. Neste fim-de-semana o Expresso anunciava a possibilidade da refinaria vir a ser desmantelada, de acordo com “fontes bem informadas” situadas algures no gabinete do primeiro-ministro.
Quando a notícia saiu das páginas dos jornais e veio para a praça pública, para os comentários das “forças vivas” interessadas no assunto, intrigante foi observar como muita imprensa teve a reacção espontânea de entrevistar delegados sindicais da refinaria. Em vez de se auscultar a “douta opinião” do falido edil da autarquia onde a refinaria está localizada, a preocupação foi logo trazer à superfície os interesses dos seiscentos trabalhadores que poderão vir para o desemprego caso o encerramento da refinaria se confirme.
Há certas pessoas que têm graves problemas de ordenação numérica. Era bom que voltassem aos bancos da escola. Para a necessária reciclagem que lhes permitisse recordar que a dezena de milhar é uma grandeza numérica bem mais importante do que seiscentos. A partir do momento em que a diferença de grandeza dos dois números fosse novamente compreendida, seria então mais fácil perceber que defender os interesses e vidas das dezenas de milhares de pessoas que vivem nas redondezas da refinaria é a prioridade – muito mais prioritário do que o destino de seiscentos postos de trabalho. Mesmo para os que têm uma dose elevada de “consciência social”, não acredito que possam colocar os trabalhadores da refinaria acima dos interesses da população local, obrigada há décadas a viver com a espada oscilando em cima da sua cabeça devido aos riscos de acidente que existem pela vizinhança da refinaria. Se o fizerem entram em contradição com a apregoada “consciência social”: será que os trabalhadores da refinaria são cidadãos de primeira, e as pessoas que residem à volta da refinaria são de segunda?
Estas pessoas – sindicalistas e muitos jornalistas – têm uma visão estranha do fenómeno das maiorias que está na base de uma governação democrática. Ao mostrarem tanta preocupação pelos empregos de seiscentas pessoas, esquecem-se do risco de vida que correm as dezenas de milhar que vivem cercadas pela refinaria. As seiscentas pessoas que podem perder os seus empregos parecem mais determinantes para a tomada de decisão. Mais ainda do que as vidas de dezenas de milhar de pessoas que podem, a qualquer momento, sofrer o sobressalto de um acidente com consequências imprevisíveis. Não é legítimo que esta ameaça paire constantemente sobre a segurança de tantas pessoas. Sobretudo quando muitas delas compraram casa nas imediações com a promessa (incumprida) de que a refinaria seria desmantelada logo que a zona residencial envolvente fosse terminada.
Estas são as pessoas que agora arranjam pretextos para não fechar a refinaria. Quem sabe porque vivem a mais de trezentos quilómetros de distância, e porque na área onde residem não há o mesmo tipo de ameaça. E são as mesmas pessoas que, se acontecesse um acidente trágico, não hesitariam em aparecer na linha da frente das críticas dirigidas ao governo por não ter ainda fechado a refinaria.
O episódio serviu para me deliciar com um camarada do PCP. Nunca tinha visto nenhum camarada a defender com afinco uma empresa, afinal o símbolo do pérfido capitalismo que eles tanto execram. No afã de mostrar argumentos contra o encerramento da refinaria (por se achar na obrigação de defender os interesses dos tais seiscentos trabalhadores que têm o desemprego como solução, ou apenas pela necessidade de contrariar a intenção do governo), o comunista de serviço dissertou sobre as vantagens estratégicas da refinaria naquele local. A administração da Galp não contava, nem por sonhos, ter um aliado deste calibre!
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