Covent Garden
O que me fascina é a animação de rua que convoca a atenção de quem se passeia, a beleza do edifício que encima o mercado ao ar livre, a sumptuosidade arquitectónica que testemunha a grandeza de outrora do Reino Unido.
A animação de rua é o exemplo de como a ausência de regras faz da espontaneidade o mais belo dos empreendimentos humanos. Em vários recantos de Covent Garden há performances da mais variada espécie. Os transeuntes formam um círculo em redor do artista de ocasião e entretêm-se durante uns minutos. Não há ordem preestabelecida que distribua os artistas de rua pelos recantos da praça. Percebe-se que a sequência apenas obedece ao princípio, tão caro aos britânicos, de quem chega primeiro tem preferência. Ao longo do dia os pretendentes a chamar a atenção dos turistas são em grande número. Por isso, as performances não se arrastam no tempo. É o respeito mútuo que leva os artistas de rua a conterem os seus espectáculos dentro de um tempo limitado. Sabem que outro colega espera, perdido no anonimato da multidão, para logo a seguir para tentar o seu ganha-pão.
Depois há o fascínio do edifício, ainda que marcado pela abundância de peças metálicas, o que lhe confere uma ambiência ferroviária. Os telhados são feitos de um metal esverdeado, assentando nos pilares que abraçam as extremidades do mercado. Lá dentro, pequenas lojas vendem artesanato - ou sucedâneos de artesanato, que os ventos da globalização também aqui chegaram. Num dos corredores dominam as pequenas bancas de artesãos que vendem quinquilharia diversa. Não sendo um mercado de frutos, flores e iguarias que embevecem a vista de esfaimados comensais, Covent Garden tem um colorido que o individualiza. Pode não ser um festival de odores e sabores, como noutros mercados onde os géneros alimentícios são mercadorias. Mas possui uma idiossincrasia feita da mistura das cores vivas do artesanato, do bulício de turistas que exibem o contentamento da alma pelo sorriso que trazem consigo, pelos sons de algazarra dos artistas de rua que chamam a atenção de quem passa, pela música dos violinos que ecoa das galerias subterrâneas.
Covent Garden é o espelho da grandiosidade do império britânico que se perdeu algures no passado que é remoto a cada dia que passa. Retrata a centralidade das vestes imperiais que inflamou o ego dos súbditos de sucessivas levas de reis e rainhas. Mais do que isso, é o legado das ilhas britânicas para os valores contemporâneos: a aragem de liberalismo que ainda sopra sobre o continente, apesar dos desvios totalitários que o varreram depois da revolução francesa. É o contraste dos valores da tolerância, do respeito pelo indivíduo, da responsabilidade individual (embora com desvios, há que reconhecê-lo), com a imposição de valores (a igualdade ilusória) que manieta a liberdade do ser humano.
A tolerância, o respeito recíproco que se alicerça na ausência de regras, a forma como as engrenagens da maquinaria funcionam sem empecilhos com a espontaneidade dos comportamentos que dispensam regras impostas de cima - tudo isto é a força inspiradora de Covent Garden. Faz parte do tónico que se renova de cada vez que Covent Garden é visitado. Uma ampola de optimismo que põe um lembrete na memória: ainda há lugar à crença no Homem.