Outra vez este Inverno inusitado. Fora de tempo, começam a despontar as primeiras flores nas árvores. Em pleno Fevereiro, no pino do Inverno, um retrato que pressagia a Primavera que ainda demora. Os rebentos das flores esbranquiçadas são a imagem da Primavera extemporânea. O clamor de uma invernia suave, generosa de luz solar, carente da chuva que teima em visitar outros lugares.
Teremos a ideia que este é um Inverno adocicado. Pela ausência das nuvens que toldam o céu com a cor de chumbo que estiola as almas. A secura que tinge os campos de um verde entristecido contrasta com as resplandecentes flores que se desabotoam dos galhos que lhes dão nascença. Se as almas alegradas pela constância do sol já andavam exultantes, rejubilam revigoradas com o quadro bucólico que a paisagem oferece. A cada dia que passa, vão desabrochando as flores, tingindo as árvores com cores primaveris. Como se o Inverno fosse uma página dobrada.
Este cenário deixa no ar o cheiro a tormenta. Teme-se que as flores tenham nascido antes do tempo. Se os dias têm sido abençoados por um sol gentio, as semanas que estão para vir ainda hão-de trazer chuva abundante e frio à beira do ponto de congelação. Eis o quadro desleal para as flores juvenis nascidas antes do seu tempo. O receio de que não consigam suportar a severidade invernal aprazada para mais tarde. O receio que as flores extemporâneas tenham vida breve, ceifadas por chuva impiedosa, por rajadas de vento que as desprendem dos galhos de onde fruíram. E que as geadas tardias venham definhá-las nas noites geladas, levando a uma hibernação sem regresso, causticando-as até que atrofiem sem conhecerem o esplendor da Primavera.
A admiração com que se olham as flores esconde o temor das desventuras do tempo. É uma alegria que se vai consumindo na incerteza do porvir. É efémera: permanece na dúvida do destino das flores prematuras que podem desaparecer com o primeiro golpe bravio dos elementos. As flores que vão cobrindo as árvores testemunham o Inverno insólito. São o produto da aragem de secura que anda no ar. Ilustram as profícuas horas de sol que se têm deitado sobre a terra. Germinaram, antes do tempo, o ciclo natural das árvores. Anteciparam a sua regeneração primaveril. Diria que são a expressão viva da pressa em deixar o Inverno para trás – como se este Inverno fosse tão cruel que apressasse as vontades em dobrar a página, no desassossego de acolher a Primavera plena de cores e de odores.
Também esta pressa pode ser prematura. Hoje alindamos a vista com os primeiros botões que se vão transformando em tímidas flores. Sem saber que amanhã a tristeza pode invadir as almas que contemplam as cores vivas que brotam das árvores. Será o preço a pagar pela anormalidade dos elementos. Um hiato que iludiu o calendário, fazendo esquecer que Fevereiro não é momento para o florescimento das árvores. A traição dos elementos profanará o quadro bucólico que anuncia a destempo a Primavera ainda distante. Virá a tempo de recordar a impiedosa invernia que andou ausente algures, entretida a apoquentar outros meridianos.
Nessa altura, as doces pétalas alimentadas pela refulgente luz do sol serão levadas com a inclemência dos últimos suspiros de um Inverno que tardou. As árvores vão-se desnudar outra vez, num recuo do calendário que faz lembrar o Outono que ficou algures para trás. Estranha confusão de estações: quando o Inverno se apresta a dar passagem à Primavera, o fenómeno do desbaste das jovens flores fará lembrar um Outono também ele extemporâneo, mas por retardamento. Parece que as estações estão loucas, num desvario que as leva à intermitência, intrometendo-se no espaço que pertence à estação alheia. Bem diferente do outrora, quando o Inverno era Inverno e só depois vinha a Primavera, bem delimitada no calendário do ano.
Doenças da modernidade, sintoma das agressões humanas sobre o ambiente, ou apenas caprichos meteorológicos?
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