3.2.05

Vá para fora, garantimos-lhe o "cá dentro"

Vulgarizou-se, para consumo doméstico, o mote turístico “vá para fora cá dentro”. Os nativos são incentivados a gastar as suas economias no turismo nacional. Temos um país pequeno que esconde tesouros desconhecidos a muitas pessoas que se aventuram no estrangeiro em turismo. Lembrei-me do slogan a propósito de algo diferente: da tendência dos turistas estrangeiros (sobretudo ingleses e norte-americanos) para levarem consigo um bocadinho da terra natal para as longínquas estâncias turísticas que frequentam.

Nos poucos locais exóticos que conheço, o padrão é o mesmo. Na amálgama de nacionalidades que se instala no hotel, os ingleses e os norte-americanos são dominantes. Talvez por isso, há certos pormenores que reflectem a padronização cultural tão censurada pelos detractores da “globalização selvática”. Dir-se-ia que o mito do pensamento único chegou ao turismo. A alimentação e a animação musical são dois exemplos de como as pessoas daqueles países – logo acolitadas por outras nacionalidades que dão para o mesmo peditório – se prestam a descansar em paragens longínquas, mas não abdicam de um cheirinho da casa que deixaram temporariamente para trás.

Da escassa experiência destas coisas, apercebo-me como ingleses, alemães, holandeses, canadianos, australianos, norte-americanos não prescindem dos hábitos alimentares que cultivam no quotidiano. É vê-los nos seus pequenos-almoços avantajados, pródigos nas gorduras servidas em ovos cozinhados de diferentes formas, no bacon frito, nas salsichas, até nos feijões que alguns tragam com inusitado prazer. Descontada a subjectividade, mete-me impressão como um estômago normal consegue digerir uma refeição deste calibre à laia de pequeno-almoço. Uma vez fiz a experiência em Inglaterra. Não consegui terminar a abastada tarefa, nem sequer comer nada até à hora do jantar, tal foi a fartança e a indisposição.

O que me deixa perplexo não é o hábito alimentar do pequeno-almoço destes povos. Mas o facto de não conseguirem deixar parar trás esse hábito nos breves dias que estão longe de casa, nas férias em locais paradisíacos. Recordo-me, num desses locais, que ao pequeno-almoço o hotel punha à disposição um festival de frutas exóticas. Deliciava-me com um banquete de frutos. Um pequeno-almoço diferente daquele a que estou habituado na sucessão dos dias normais. Um séquito de paladares diferentes, a ilustração de que as férias são diferentes dos dias normais.

Se estou longe de casa, se as férias são sinónimo de quebra das rotinas instaladas, há que levar a diferença até às últimas consequências. A alimentação é um domínio de eleição. Não apenas para romper com os hábitos agrilhoados à terra nativa que ficou para trás. Também para partilhar os costumes locais, para alargar os horizontes e ter um enriquecimento cultural que é perceptível pela identificação dos hábitos alimentares dos locais escolhidos para férias.

Outro domínio onde os turistas não se conseguem desprendem das sementes nativas é na música. Os hotéis tentam seduzir os clientes, envolvendo-os num ambiente lúdico que preenche os momentos nocturnos com animação musical. Invariavelmente, músicos locais tocam música anglo-americana. Os hits da música popular contemporânea desfilam, para gáudio da horda de turistas, não cansada de encher os ouvidos com estas melodias ouvidas até à exaustão enquanto vivem as suas vidas caseiras. Entusiasmam-se com os sons da beatlemania e quejandos, como se tivessem saudades daquilo que estão fartos (ou talvez nem tanto) de ouvir nas rádios e televisões dos seus países.

É das experiências mais negativas que tenho das estadias em locais exóticos. Decepcionado, porque esperava ambientar-me aos sons nativos, aos sabores locais em vez da cozinha internacional. As exigências da padronização, indo ao encontro das preferências de turistas autistas, impedem que as coisas sejam diferentes. Após o jantar, a opção passa por um passeio nas redondezas, ou pelo refúgio no quarto.

Sinais de que os turistas querem ir para longe de casa, na busca do descanso retemperador das merecidas férias, mas recusam-se a perder o contacto com a terra mãe que deixaram à distância de milhares de quilómetros. Cultura local? Não…hábitos ancestrais, anacrónicos, sons estranhos que não condizem com as melodias formatadas a que estão habituados. Ir para fora, decerto, mas sem nunca perder de vista a terra natal. É o lema de uma estupidificação notória.

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo.
Mas acrescento outra perspectiva.
O ser humano precisa de rotinas para se sentir seguro.
Na sociedade actual ainda mais.
Esses cidadãos desses países, ditos desenvolvidos, são normalmente os mais pobres culturalmente (há felizmente muitas excepções - mas não deixam de ser excepções). Saír do país em busca de sol é já uma enorme fuga à rotina. A comida e a música dão-lhes a sensação de segurança, de casa, da rotina. Sentem-se seguros.
Faz-me lembrar macacos numa jaula. Habituados desde sempre às rotinas das refeições dadas pelo tratador, das visitas do público, etc... um dia são soltos na selva e não sabem o que fazer.

Ponte Vasco da Gama