9.12.05

Assim se vê a grandeza do Benfica!

Que os jogadores de futebol não primam pela boa educação, é coisa que não constitui novidade. Amiúde soltam palavrões, insultam adversários, árbitros, o público e, quando calha, os companheiros de equipa. Basta sabermos exercitar a leitura dos lábios para se perceber a verborreia mal-educada de meninos e menos jovens que ganham rios de dinheiro e que, pela exposição mediática e pelo muito dinheiro que embolsam, deviam ter algum decoro. Quanto mais não seja, por serem exemplos idolatrados por crianças e adolescentes ainda em formação de personalidade.

Que os dirigentes de clubes de futebol são o expoente máximo do que é ser cabotino, que desmerecem a mínima credibilidade por negociatas mal explicadas, pela conivência podre com o poder político, pelas suspeições de corrupção, pelos conluios com a arbitragem, pelas cumplicidades mal amanhadas com asquerosas figuras que dão pelo nome de empresários de jogadores – nada disto surpreende sequer o mais desatento. O panorama piora quando os dirigentes do Benfica soltam discurso, no apelo a uma coisa fictícia chamada “mística benfiquista”. Discursos que roçam o patético, entrecortados com biqueiradas na gramática. O que não se estranha, quando um (o presidente) não passou da quarta classe e o outro (o director-geral) é um duvidoso advogado que mete os pés pelas mãos no uso da gramática.

O “grandioso Benfica” não demorou a apresentar queixa contra Cristiano Ronaldo, mal acabou o jogo em que o “maior clube do mundo” derrotou o Manchester United. Ao ser substituído, Ronaldo escutou um coro de vaias. O corolário de vaias orquestradas sempre que tocou na bola. Quando saiu do relvado, farto dos impropérios, respondeu à altura: uma cuspidela disparada para a frente, na direcção do público que o insultava, e o dedo do meio erguido, indicando aquilo que se sabe. O “grandioso Benfica” sentiu-se ofendido. Puxou lustro à sua indignação e, em nome dos mais de quarenta mil adeptos chocados com a ofensa de Ronaldo, registou queixa contra o comportamento do craque mimado.

A grandeza vê-se tanto na hora da derrota como na hora da vitória. Costuma-se dizer que é muito difícil saber perder. Mais ainda quando as exigências competitivas aquecem por entre a rivalidade clubista, que cega os adeptos, roubando-lhes qualquer vestígio de racionalidade. Poucos se importam com a dignidade na hora da vitória. Considero que é tão importante saber ganhar como se saber comportar perante a derrota. Talvez ainda mais importante: evitar a arrogância trazida pela embriaguez da vitória é um acto digno, que personifica a grandeza de quem se sabe comportar no momento da vitória. Aqueles que não sabem perder e encontram mil e um pretextos para justificar a derrota rivalizam no equívoco com os que ganham e espezinham o adversário já vergado pelo peso da derrota. Não se cansam de exibir uma vaidade entediante. Falta-lhes em sentido de grandeza o que sobra em pesporrência.

(É pesporrência, em bruto, que emerge quando ouço os medíocres que comandam o Benfica a reagir no rescaldo de grandes vitórias. O inefável Vieira já sentenciou: doravante, qualquer adversário do Benfica está condenado a morrer (traduzindo a linguagem de primata: está condenado a perder, inevitavelmente a perder). Estas vitórias antecipadas entregam ceptros também eles antecipados?)

Quando os adeptos e dirigentes do Benfica reivindicaram da “nação do futebol” que estivesse em peso ao seu lado para que o clube pudesse continuar na liga dos campeões, logo a seguir prestaram-se ao ridículo papel de apresentar uma queixa contra um jogador português que alinhou pela equipa adversária e se cansou de ouvir vaias e insultos disparados pelos compatriotas que enchiam o estádio. É o que se chama nacionalismo de um sentido só – ou nacionalismo primário, para não dizer de primatas.

O gesto de Ronaldo não tem desculpa. Tanto que as regras prevêem sanções pesadas para o comportamento. Há que convir, contudo, que a paciência tem limites. A cegueira clubista tem mistérios insondáveis: muitos dos milhares daquela turba já aplaudiram freneticamente as proezas do mesmo Ronaldo quando, no mesmo estádio, vestia outra camisola “encarnada” – a da selecção portuguesa. No apogeu do ridículo, a demonstração da escassa inteligência de quem dirige “o maior clube do mundo”: a queixa contra Ronaldo. Terá ofendido a turba e, através dela, uma “instituição” intocável. Que interessa se antes, por mais de uma hora, a turba não se cansou de ofender Ronaldo?

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