Escritores carpem as mágoas do desamor. Tecem loas às suas musas que não passam do altar de platónicos amores. Lamuriam-se: do aspecto desagradável que afugenta potenciais admiradoras, de serem desinteressantes seres, sem conseguirem cativar os favores de damas por quem penam um coração despedaçado. Vingam-se na escrita, escorrendo da tinta da caneta a amargura dos amores incompreendidos. Das mais belas páginas de literatura nasceram com o estigma do desamor.
Alguns anseiam ser endeusados por um séquito de admiradoras. Imagino-os a tecerem sonhos em que são senhores de um harém bem nutrido. Sabem que os sonhos são isso apenas, sonhos inconsequentes. De resto, olham-se no espelho e descem à terra: não será pela fealdade com que nasceram que algum dia hão-de crivar o sucesso desejado. Na descida à terra, diminuem expectativas. Já não um fértil harém, apenas uma musa encantadora que perceba a sensibilidade de uma alma que se pena nos tortuosos descaminhos do amor (ou, diria, nos tortuosos caminhos do desamor).
De tanto porfiarem e tanto se frustrarem na solidão do sentimento, cultivam a misoginia. Um refúgio necessário, um ensimesmamento de último recurso. As mulheres que nunca amaram deixam de ser ideais utópicos sequer. Entram numa dimensão além do irrealizável, perdem a inteligibilidade dos sentidos. E não se percebe se a misoginia é confissão de desistência ou apenas expediente para afugentar frustradas tentativas que esbarraram em nãos repetidos de damas tentadas. Porventura a misógina condição é um sacerdócio forçado, por as investidas do amor sempre se encontrarem com demónios grãos de engrenagem que trouxeram o amargo sabor da vã glória. Como uma reclusão de frades em celas isoladas, uma reclusão dos experimentados do desamor nas muralhas da misoginia.
Quando não se encerram na misoginia, sinal que mantêm acesa uma luz no indecifrável horizonte. O desejo triunfa, fala mais alto que os sentimentos. Ou apenas uma estranha forma de ir saboreando sucessivas tentativas que embatem, com fragor, na incompreensão de mulheres sem piedade. Insistem, uma e outra vez, numa luta sem cessar que procura encontrar os trilhos do sentimento que arde com intensidade dentro deles, um sentimento vivido a uma só voz, sem encontrar quem saiba nutri-lo com a correspondência da alma. Não se cansam dos desvios do amor, nem que as feridas de investidas anteriores não estejam cicatrizadas. São os heróis do amor por amarguradas experiências de desamores que acabam vertidos em abundantes páginas escritas.
E há aqueles que se lamuriam, que jorram escrita que exibe anseios – de como gostariam de ser adónicas figuras, embelezadas por um qualquer deus que neles espalhasse, com dedos de magia, um perfume que atrai o sexo oposto. Sabem que o não são, mas vertem a pieguice deslavada nas páginas que escrevem, numa sábia estratégia para atrair almas piedosas prontas para o afago das criaturas tresmalhadas do amor. Multiplicam-se em lamentos: da figura que tresanda fealdade, numa queixa contra os desígnios divinos que trouxeram a antítese da beleza que deixa embeiçadas hordas de mulheres; de serem desinteressantes figuras, intelectos brilhantes, quantas vezes, sem capacidade para cativar a atenção de, quantas vezes, lúbricas mulheres apenas interessadas nos aspectos comezinhos da vida.
Em vão, de lamúria em lamúria, cientes da sua fealdade, mas de como conseguem atrair o sexo oposto com as ladainhas sem cessar. Quantas vezes são as ladainhas, as espadas que trespassaram um coração sedento de amor, o ar de cãozinho mal amanhado tão carente de um afago, que lhes leva o que tanto procuram. Na arte da encenação, vinga a auto-comiseração. Levam a palma, eles que tanto se queixam do desamor. Da ênfase do desamor vão titubeando esgares de tristeza, calcorreando os caminhos que lhes trazem ao seu regaço condoídas donzelas que afagam as desventuras que, afinal, são fictícias. Engendradas escolhas que levam a cair no alçapão as donzelas descuidadas que se perfilam como generosas almas predispostas a actos de caridade. Apenas uma enganosa caridade.
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