8.10.08

O “Zé”, vereador da esquerda folclórica em Lisboa, a soldo da extrema-direita?


Há tiros que saem directos para o pé de quem os dispara. Talvez não fosse esse o efeito pretendido, pois temos que acreditar que o pistoleiro de serviço não preenche os requisitos de um doentio masoquismo.


O partido da extrema-direita voltou à carga com outro cartaz de gigantescas proporções mandado afixar numa rua qualquer de Lisboa. Tal como dantes, contra os imigrantes que, aos olhos da extrema-direita, serão a principal doença que mergulha esta santa terrinha numa profunda depressão. Um cartaz xenófobo, irradiando uma lamentável intolerância. Um cartaz que deixa à mostra a profunda ignorância que consome as entranhas da extrema-direita ao fazer do combate à imigração um dos cavalos de batalha: ignoram estudos, com rigor científico, que provam que sem a entrada continuada de imigrantes a Europa definha.


A afixação de outdoors mexe com as competências atribuídas ao vereador da esquerda folclórica, esse cidadão exemplar, activista por excelência das causas que bulem com o exercício da cidadania, o advogado José Sá Fernandes – carinhosamente tratado por "Zé" entre a casta urbana, intelectual e que não consegue esconder hábitos pequenos burgueses, que adora votar na esquerda caviar (é que está na moda). O que fez o "Zé"? Sem pestanejar, mandou retirar o cartaz por achar que ele contém linguagem xenófoba, transpirando um insidioso apelo à violência contra os imigrantes. Que interessa que a Procuradoria-Geral da República tenha dado um parecer que não encontrava razões para a desinstalação do cartaz?


Conviria lembrar ao vereador que é um homem que sabe de leis: a Procuradoria-Geral da República existe para defender os interesses públicos sempre que valores que são património da sociedade sofram entorses. Aproveitando a ocasião para puxar o lustro aos esteios que formam qualquer cidadão que viva num Estado de direito, há um princípio basilar que parece esquecido: a separação entre a política e os tribunais. Por decoro, os políticos devem ficar fora da justiça. Ou a justiça – e os políticos – perdem rasto à decência e esgotam todo o seu capital de credibilidade junto dos cidadãos. Nesse caso, o Estado de direito esfuma-se na confusão entre política e tribunais.


Entendo que haja uma irritação contra a extrema-direita. As exibições de intolerância, o passado que glorifica, a retórica que roça a violência, eis o que compõe a presença da extrema-direita na paisagem política. Não há um singelo pedaço deste ideário, uma única palavra do discurso habitual, que cative a minha simpatia. Para mim, a extrema-direita é deplorável. Mas não aceito que ela seja silenciada, ou é a democracia que tanto se ufana de certos valores que faz o jogo da extrema-direita que quer silenciar. Que essa irritação venha de sectores situados nos antípodas da extrema-direita, também é compreensível. Por todos os motivos. O principal dos quais é uma certa confluência de métodos e finalidades entre a extrema-direita e a esquerda caviar (não se lhes pode chamar extrema-esquerda que, sintomaticamente, eles ficam ofendidos). À intolerância congénita da extrema-direita respondem com a sua própria maneira de serem intolerantes. O que é revelador de um certo posicionamento perante os problemas políticos. Revelador da sua própria intolerância congénita. Nisto, o que distingue a extrema-direita da esquerda caviar?


Tenho que admitir: aplaudi a corajosa decisão do folclórico vereador. Primeiro, porque é todo um programa político da agremiação partidária onde se acolheu. Espezinhar o princípio basilar da separação de poderes é a confissão de como esta agremiação, caso algum dia tomasse conta do poder, não se cansaria de atropelar o Estado de direito. Por outro lado, a decisão de retirar o cartaz é a manifestação inequívoca de como partilham o código genético da intolerância e do não respeito pela liberdade de expressão com a extrema-direita que querem silenciar. Em terceiro lugar, sem dar conta, o patusco "Zé" ofereceu de bandeja visibilidade à extrema-direita. E terá também motivado uma inesperada solidariedade com a extrema-direita assim silenciada. Eu não sabia que o "Zé" estava a soldo da extrema-direita.


O que acho grotesco no episódio é o bafiento moralismo da esquerda caviar e do seu inestimável vereador em Lisboa. Aparecem como empertigados penhores de valores que não constam do seu património genético. E porque acho deplorável que a esquerda caviar suba nos tamancos da sua pretensa superioridade moral para nos dizer que mensagens políticas temos ou não direito a consumir. Está bom de ver: o paradoxo que é ver esta gente usar o conceito de "liberdade individual", a que puxam lustro para a legalização dos casamentos homossexuais (matéria onde coincidimos), e depois deixarem cair a máscara quando acham conveniente atropelar o princípio para silenciar a extrema-direita.


1 comentário:

Anónimo disse...

Saudações do Brasil!

Muito interessante seu blog, caro José.

Realmente a situação anda feia no mundo, a esquerda e a direita se confundem e suas diferenças aparecem apenas como minucias ao ponto de quase se tornarem pessoais.

Aqui no Brasil estamos em tempos de eleição, os críticos de jornais só faltam chamar o José Serra de vampiro e a candidata Dilma de terrorista.

Programaticamente até há diferença entre PT e PSDB, mas na prática não muda muito (veja este site de, analisa melhor: http://www.movimentonn.org/jornal/noticia/editorial/2216 ). Estas eleições estão complicadas, acredito que votarei nulo.

Bom, parabens pelo blog

Saudações

Alisson