É a muita erudição que se esbofeteia nos comuns. Consigam eles, ao menos, entender a douta inteligência que desfila dessa maneira. Embrulhada em discursos obtusos, convencidos os da casta intelectual que assim se distinguem dos demais exibindo os fantásticos dotes de intelecto. Ouvi-los, excitados com um raciocínio que só eles conseguem seguir, é outro prazer: serve para consumir uma vaidade muito própria de quem se eleva aos píncaros da elite das elites – a elite dos bafejados por superiores dons de intelecto.
E, contudo, quem os consegue perceber? Dos discursos obtusos, a exaltação de tanta erudição, um arrazoado que não passa de um aglomerado de palavras ininteligíveis ao comum dos mortais. É o palavreado obtuso que os coloca – assim acreditam – num púlpito que só os deuses podem tocar. Depois olham de cima para baixo, embriagados com a sua prosápia cintilante. Tão excitados com a retórica perfumada com a essência da sabedoria, nem cuidam que a audiência que os contempla boquiaberta está nessa pose não como sinal de admiração de tão elevada erudição. A audiência está tão boquiaberta como incapaz de reprimir um esgar de quem não consegue retirar o sentido do raciocínio que se encavalita naquele discurso impenetrável.
O que encanta é ser testemunha do orgulho que estes intelectuais têm de si mesmos. Desfilam a sua superioridade que goteja da massa cinzenta, uma gravitas que convoca à admiração dos outros. Daqueles que, das catacumbas da mediania, devem prestar vassalagem. Convencidos que a oratória, ou as peças escritas onde escorre a sua fantástica sabedoria, devem ser a montra da ostensiva prosápia, desmultiplicam a erudição que os distingue. No final, apenas eles perceberam o queriam dizer. Falam para o seu umbigo – e para uma audiência que se convenceu da sua consagração, ou que os consagrou por ter ficado convencionada a sua douta sabedoria.
E também encanta a sua excitação enquanto peroram, longamente, sobre isto ou sobre aquilo. A sua sabedoria vem pontuada pela abertura de horizontes, flexível, cobrindo saberes díspares. O raciocínio tão elaborado, socorrendo-se amiúde da sua vasta cultura, é o refúgio onde se distanciam dos comuns. É lá que os comuns não conseguem chegar. Do púlpito onde esfregam a sua erudição nos demais, intuem que a constelação de sabedoria não será questionada.
Ao discurso hermético que tanto os excita, adicionam a incomensurável bagagem cultural. A intenção esbarra na ininteligibilidade do que dizem ou escrevem. A babugem que escorre da vaidade do superior intelecto dilui-se na incapacidade dos demais decifrarem o que dizem ou escrevem. O que se cristaliza em pose tão ostensiva é um distanciamento entre os peregrinos da intelectualidade e a realidade. Parecem vegetar num mundo imaginado, lá onde as ameias são intransponíveis ao comum dos mortais.
Vê-los imersos no seu imenso garbo é um deleite. Navegam no convencimento da sua inigualável sabedoria, achando-se pastores de um povo que consideram ignaro. Um povo que deve ser apascentado na imensa sabedoria que se abriga no regaço generoso de quem milita na elite intelectual. Eles estão sempre de braços abertos, prontos para aspergir a turba com a sua imensa sapiência. Muitas vezes, o que sobra é um travo amargo: a turba incomoda-se pouco com os prazeres do intelecto. Os sacerdotes da desmedida erudição têm escassa audiência – para além de um séquito que os contempla no acrítico consumo das doutas palavras que escassamente compreendem. Alternativo diagnóstico, porém: o desalinhamento entre o ignaro povo e os generosos sacerdotes da intelectualidade, da imensa cultura abrigada na sua interminável bagagem, porventura apenas o sinal de que pouca gente consegue perceber o que querem dizer.
É para o que serve tanta bagagem cultural, tanta erudição orgástica. Para estes intelectuais se elevarem aos píncaros da sua intelectualidade, tão ufanos dos seus dotes. E tão distantes da gente comum, tão elites, propositadamente encharcados num manto que, acham, os unge com a divina qualidade que ostentam. Eles são os seus próprios deuses.
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