Veteranos de outras guerras. De guerras para eles sempre perdidas. Na fauna particular do meio universitário, estes veteranos fazem as vezes de parasitas. Demoram-se nos bancos da universidade. Dir-se-ia, em jeito de sátira, que por gostarem tanto do que lhes é ensinado vão uma e outra vez, e outra ainda mais, fazer exames. Simpaticamente, prometem-se como clientes para o seguinte ano académico. Ufanam-se do estatuto de veteranos que lhes dá especiais benesses na hierarquia estudantil. Um estranho universo, este: onde os parlapatões andam nas palmas das mãos dos servis pares e exigem aristocrático tratamento e respeito a preceito. Um grito da mediocridade estulta.
Um dia destes cruzei-me com o veterano do momento. Vinha amparado no cajado peculiar que distingue o veterano estudante, o mais velho a quem os outros, e sobretudo os caloiros, devem prestar acrítica vassalagem. O cajado é uma colher de pau de gigantescas proporções, quase do tamanho do veterano. Pelos vistos, nem tão colossal colher chega para que sorvam generosas quantidades de caldo de sabedoria. Pudera: na insólita lógica de "socialização estudantil" o estatuto do veterano é o mais invejável.
Dizia: cruzei-me com o veterano de serviço, que tinha estacionado diante de três imberbes mas esculturais raparigas. Julgo, seriam caloiras estudantes, tal a pose do veterano e dos acólitos que o acompanhavam. Impunham-se às raparigas. O veterano insinuava-se no charme só típico da aristocrática pose que os veteranos chamam a si. Salivava, com abundância, ali parado a admirar as curvilíneas neófitas estudantes. Pareceu-me que as jovens estavam a dar trela ao paspalho. Percebi então: há quem vá na lengalenga dos imbecis veteranos. E assim os veteranos se apropriam da sinecura que ocupam na "hierarquia" estudantil para irem coleccionando conquistas. Percebi, enfim, a compensação que paga o largo tempo que se arrastam na universidade. Não é tanta a vergonha da veterana condição, as reprovações umas atrás das outras: ano após ano, vão engrossando o bornal das conquistas femininas, juntando ao pecúlio mais algumas ingénuas que sucumbem à léria inconsequente.
É a pobreza de espírito que se decanta. A mesma pobreza de espírito que preenche o desértico terreno a que pertence a "tradição" das praxes académicas. Os seus defensores continuam agarrados à ideia de que é pela praxe que os novos estudantes se socializam. Na maior parte das vezes, uma inaudita socialização que passa por humilhantes actos. Neste código muito particular, o servilismo ao veterano é uma extensão de um anacronismo que se confunde com tradição. O veterano é carinhosamente tratado por "dux veteranorum" – um latinório que apela às ancestrais tradições, e uma expressão que contém em si as sementes de um anacrónico e desigual tratamento aristocrático. Estas avantesmas são "duques" e, como duques que se julgam, exigem tratamento a preceito. Quem ousar faltar ao respeito comete o crime de lesa-majestade – um inadmissível atentado contra as "tradições académicas". E as tradições respeitam-se, não se interrogam. Nem que sejam abjectas tradições.
É pena o que sinto pelos veteranos que se arrastam na contumácia de aulas e exames. Nos bancos da universidade, pouco frequentados que os muitos afazeres que se exigem ao "dux veteranorum" não deixam agenda livre, têm pouco tempo para alguma coisa aprenderem. Preferem os deleites enraizados pela acéfala "tradição académica". Através das benesses inerentes ao estatuto fazem o tirocínio para uma inútil forma de vida em que se vão treinando na demorada estância universitária. Os anos vão passando, as aulas vão anotando a sua ausência, os exames, os poucos exames a que se decidem propor, uma via-sacra de reprovações. Pelo caminho, vão delapidando o erário familiar, com os progenitores a sustentarem a parasita forma de vida.
A tacanhez fatal, o aproveitamento do privilegiado estatuto do mais velho a quem todos se devem desmultiplicar em intermináveis genuflexões. Com uma extensão muito marialva – sem surpresa, ou não dominassem as tradições às quais as interrogações são impedidas: os "charmosos" veteranos, o charme que vem de arrasto pela sinecura que ocupam. Anotei a água na boca que escorria com abundância daquele "dux veteranorum", coitada criatura que não fosse o privilégio que ostenta do alto do seu particular cajado decerto andaria pelas ruas da amargura na satisfação dos apelos vindos das profundezas das hormonas. Nessa altura apeteceu-me resvalar para um infantil duelo (não estivesse obrigado à monogamia).
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