(Aviso: texto contendo material eventualmente discriminatório em termos de género.)
Futilidades, decerto. Mas há quem goste. Das sensações arrepiantes da velocidade ao volante de um automóvel. De preferência com muita potência domada pelo pé direito pisando furiosamente o pedal do acelerador, sem dó com o motor que grita a pulmões abertos. É um facto que há por aí muito pipi que adora pavonear-se em bólides, só para fazer inveja aos arrivistas do meio social (eles próprios, pipis envaidecidos com o sinal de ostentação, arrivistas na máxima expressão). Não passam dessa cepa torta. Incapazes de sentir a adrenalina que se liberta se deixassem à solta a seiva selvagem que na maior parte do tempo vive adormecida debaixo do capot.
Infractor, por vezes, me confesso. Cada vez menos, que a sanha persecutória da brigada de trânsito, à cata da multa por excesso de velocidade, é ingrediente do nutrido Estado policial que é adorado pelos socialistas em funções. E as multas são, elas também, nutridas. Como o dinheiro custa a ganhar, impõe-se o recato que torna o pé direito leve como uma pluma - quase uma castração. As sensações da muita velocidade são pouco dadas a descrições através da palavra. Sentem-se, e está tudo dito. Que me interessa que seja acusado de inconsciência? Arrematava o problema se dissesse que das poucas vezes que sou infractor do código da estrada o faço dentro dos parâmetros de segurança (meus e dos outros) – pois logo haveria quem contrapusesse que isso dos "parâmetros de segurança" é muito relativo, ao que viria a minha réplica: "nem mais"; tanto se pode morrer de acidente de automóvel ao cabo de manobras eivadas de loucura, como a meio de uma tranquila e cumpridora viagem.
Dos quadrantes que se acham possuídos por um manto de superioridade moral virá a advertência de futilidade. Só que os arautos da superioridade moral são-me indiferentes. Quanto mais esbracejarem a dita superioridade, mais me apetece fazer muito do que eles condenam do alto da sua tão elevada pose. Haverá ainda sábios ambientalistas a acenar com a cabeça em tom de reprovação, sentenciando: tanto combustível estupidamente desperdiçado enquanto me entrego à fútil sensação da velocidade. É uma outra forma de imperativo moral que me incomoda. Todos por junto, que se deitem com as suas dores de consciência – que as hão-de ter – e deixem os outros entregues às suas particulares demandas.
O paraíso está na Alemanha. Onde há auto-estradas sem limite de velocidade. À falta de melhor, há kartódromos onde se descarrega a adrenalina acumulada ao longo dos dias que são espartilhos das sensações. Ou testes de automóveis feitos num autódromo, aproveitando a pista fechada ao trânsito para puxar o automóvel pelo máximo das suas capacidades, escutar o silvo dos pneus, testar os limites da aderência, o corpo empurrado por acelerações ferinas. Um pouco de vida no fio da navalha, sempre dentro dos limites contidos da segurança, sem desvarios que testam as fronteiras do possível. A diferença entre a sensação estonteante da velocidade que desfila a ritmo furioso e a inconsequente loucura que desata em asneiras com um preço para o corpo.
As indescritíveis sensações coroam-se com uma espécie de lavagem por dentro quando termina a função. Nessa altura, parece que o tempo passado em devaneios de elevada velocidade se resumiu a uns instantes, tão fugazes. O relógio desmente-o. A muita velocidade tragara a noção do tempo, como se a velocidade furiosa exaurisse o tempo e os minutos e segundos tivessem uma outra dimensão. Eu digo que há em tudo isto algo de masculino. Raras as mulheres que se deixam inebriar por este tipo de sensações. Diz-me um amigo que leu uma reportagem que tentava provar, com a ajuda da ciência, que a separação de sexos no usufruto da velocidade ao volante de um automóvel tem uma explicação cromossomática. Aos genes femininos faltam certas hormonas que se excitam com as velocidades alucinantes. É o que explica o embevecimento parvo dos exemplares masculinos – é só vê-los, aparvalhados, com um ar lunático, quando se despedem do potente automóvel que acabaram de experimentar a alta velocidade no resguardo de uma pista encerrada ao trânsito.
Porventura, por tudo isto é que o sexo masculino leva a palma, e esmagadoramente, nas competições automóveis.
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