Aposto que é para dar razão aos que se recusam a ceder ao pessimismo que domina a paisagem tisnada pela crise: uns assomos de optimismo, que vergam o cepticismo teimoso num braço de ferro com a criatividade. Parece que a crise pode ser derrotada pelo espírito inventivo do Homem. É só dar asas à imaginação e deixar fervilhar a criatividade onde se resguardam soluções milagrosas. Vamos agendar o funeral da tenebrosa crise, pois.
Acabo de ler: do tão cinzento presidente da Comissão Europeia, a ideia de que podemos combater a crise – e, quando digo "podemos", é ao género masculino que me refiro – cultivando hábitos de depilação corporal. Consta que os pequenos aparelhos inventados para a depilação masculina correspondem aos parâmetros definidos para dobrar a obstinada crise: ecologicamente eficazes, pois consomem pouca energia, são o chamariz para uma reinventada estética corporal dos homens (no masculino). Se todos nos convencermos a varrer as pilosidades do corpo, e se todos comprarmos, em chusma, esses mágicos electrodomésticos, vai ser uma revoada de empregos novos em compasso com um crescimento económico amigável do meio ambiente.
A história é deliciosa. O presidente da Comissão contou-a na primeira pessoa, quando foi convidado por Bob Geldof, esse vulto, para uma cerveja num bar irlandês em Bruxelas (tradução livre, um bocado adaptada…): "estava na casa de banho dos homens, porque os copos de cerveja de meio litro passam por nós directamente a caminho do mictório, quando reparei nos jovens da publicidade da Philishave por cima dos urinóis. Eles não tinham pêlos nos sovacos e nas pernas. De regresso ao bar, perguntei ao meu bom amigo Bob o que queria dizer aquilo, ao que ele respondeu: 'agora os jovens rapam tudo – sovacos, pernas, torso, tudo' [no original: "The lads are shaving just about every f***in' thing these days", assim mesmo, com os asteriscos]."
Ora isto deixa-me atónito – e por variadas razões. A começar, o presidente da Comissão Europeia não devia beber em serviço. E devia evitar companhias – como dizê-lo? – pouco recomendáveis. Então "o Bob" pôs Barroso em estado lastimável, ao ponto do presidente da Comissão se deitar a apreciar os corpos desprovidos de penugem de uns – imagino, a crer pelas cores da moda – andróginos rapazinhos em publicidade a máquinas de depilar corpos masculinos? Percebo que andemos numa era de humanização da política e dos seus actores, com o convite para os admirar no seu humano rosto, gente tão gente como os demais (em quem eles mandam). Mas dispenso a imagem mental de um Barroso cambaleante num mictório e, enquanto se alivia das urinas tingidas por Guiness, se põe a apreciar rapazinhos tão lisos como uma lisa maçã.
Segunda perplexidade: a Comissão não arranja soluções melhores do que derrotar a crise através da aculturação à depilação masculina? Acreditam mesmo, a começar pelos economistas em crise de confiança, que a produção em massa de depiladores masculinos é o milagre para nos extraírem da crise? Já estou a ver o slogan, lá mais para a frente, quando por fim a crise pertencer aos museus da história económica: "a crise foi-se como foram, com a Philishave, as pilosidades masculinas". Para consumar o pesadelo fatal: Barroso em pose máscula, braços cruzados em orgulhosa ostentação dos musculados bíceps, de onde sobressaem uns reforçados e passados por solário músculos peitorais, um olhar desafiante de cima para baixo, torso desnudado e sem qualquer vestígio da penugem subtraída por uma máquina de depilação masculina Philishave.
Ou isto é uma concessão ao mundo da moda, que nos habituou à redefinição de masculinidade com a insistência em manequins que não passam de rapazinhos muito andróginos, ou trata-se de uma insidiosa interferência de sectores feministas. Cá vai a nota marialva: a cada passo que fizerem do homem uma criatura cada vez mais parecida com a mulher, cumpre-se a profecia das sacerdotisas do feminismo. Nessa altura, seremos, gente do sexo masculino, seres vergados à superioridade das mulheres. Desigualdade ao contrário. Salvem-se os pêlos dos homens. E dediquem-se a encontrar soluções plausíveis para a crise, das que não passem pela extracção capilar dos corpos masculinos.
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