Vai por aí uma revoada de processos interpostos pelo senhor primeiro-ministro, só porque dá de caras com opinião publicada que lhe é pouco simpática. O ar está cada vez mais irrespirável. Era o que mais faltava a opinião ser cerceada pelos humores do senhor primeiro-ministro. Não há quem lhe explique (nem o ideólogo do regime, o sabático académico Santos Silva) que esta exasperação remetida para os tribunais não cuida da tão sagrada imagem de sua excelência? Pela parte que me toca, que nunca nutri simpatia pela personagem, e menos ainda a partir do momento em que se convenceu da aura de timoneiro da pátria, estes episódios têm serventia: não me recordo de político de tão fraco calibre, político que me irrite tanto como este senhor que, consta, ainda vou ter que aturar mais cinco anos com o leme nas mãos.
Admito que isto já é cansativo – escrever, uma e outra e ainda uma vez mais, sobre a personagem. Só que a fobia de aparecer, a febre pela imagética impecável, como se governar fosse apenas um exercício muito bem encenado de composição de imagem, assalta os neurónios. Já há algum tempo que exerço a pessoal censura sempre que a personagem aparece na pose e com o discurso de delegado de propaganda médica (sem ofensa para os ditos): corto-lhe o pio, o dedo polegar pressionando o canal mais a jeito só para retirar aquela cara sabe-se lá porquê triunfante do ecrã.
Por estes dias é preciso ter cuidado com o que se escreve acerca do senhor primeiro-ministro. Pelos vistos, ele tem uma equipa numerosa a espiolhar a imprensa, um dia destes até os blogues, a separar o trigo do joio para saber quando há escritos ofensivos à sua integridade, honra e bom nome (não necessariamente por esta ordem). A sua indefectível admiradora, a directora da DREN, fez escola na estalinista espionagem de tudo o que se escrevera sobre a senhora. Já há precedentes. Não fosse este blogue lido apenas por quem o escreve, teria que reservar umas largas horas a rever as muitas palavras nada simpáticas que já aqui foram debitadas sobre o senhor. Ou talvez não. A honra não seria ser processado por um primeiro-ministro – que este o foi por acidente, só poderia ter sido numa terra que, em mediocridade, é fiel à imagem de quem a governa. Seria excitante ser processado pela personagem, não pela figura.
Por exemplo: podia vir aqui pedir emprestada a Mourinha apetência pelo narcisismo e indignar-me com o ranking elaborado por um grupelho de estapafúrdia gente ligada à "moda", pois o ranking colocava o senhor primeiro-ministro em sexto lugar entre os mais elegantes e mais bem vestidos em todo o mundo. Cá vem o narcisismo a rodos: numa pausa para amadurecer os pensamentos, até nem havia razões para indignação; ao invés, seria um pretexto para me envaidecer, pois teria a certeza que estava entre os cinco mais elegantes do mundo. Para logo depois me desligar da torrente narcisista e concluir: como se isso tivesse algum interesse.
A irritação solene que o senhor primeiro-ministro causa chega a ser patológica. Tanto que, já terá sido notado, me recuso a pronunciar o seu nome. E só o faço para não ofender o notável filósofo grego, que não tem culpa de, séculos mais tarde, outra figura pública ter abocanhado o seu nome, não lhe prestando a homenagem que merecia, atendendo à fraca têmpera que traz consigo. Quando chego ao ponto de comparar a sua elegância com a minha, dou conta de como esta personagem é doentia. Tenho que fazer uma promessa a mim mesmo: nada de noticiários na televisão ou no rádio, nada de jornais. A sanidade mental exige que seja uma ilha no conhecimento do mundo. Ou, um dia destes, este blogue ainda se transforma num blogue de fãs do anti-primeiro-ministro.
Não lhe quero dar essa importância, mais do que a que já compulsou em mim. Tanto assim que, dando azo ao voto niilista (isto é: votar num partido qualquer desde que não seja PS), nas eleições legislativas vou quebrar o hábito abstencionista e escolher, simbolicamente, um partido minúsculo qualquer (desde que não seja de esquerda).
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