13.4.09

A polícia de costumes da indumentária das funcionárias públicas


Será falta de originalidade, pois o tema foi tão exaustivamente tratado nos últimos dias. Mas não resisto a umas alfinetadas, tão risível a "determinação" de um punhado de superiores funcionários públicos muito preocupados com a moral e os bons costumes dos seus subordinados – em rigor, das suas subordinadas, em mais uma intolerável manifestação de desigualdade de sexos. E o que se passou, afinal? As funcionárias da loja do cidadão de Faro estão proibidas de usar minissaias, decotes excessivos, saltos altos, lingerie escura e perfumes agressivos – pelo menos enquanto estiverem ao serviço.


Como diz o outro, nem sei se hei-de chorar ou apenas soltar uma sonora gargalhada. Não fossem estes tempos de irrespirável restrição das liberdades com o cunho de formidáveis engenheiros sociais com socialista doutrinação, e limitava-me a rir. O pior é que até o Avô Cantigas que encabeça a lista da seita socialista ao Parlamento Europeu já sentenciou que não há nada de mal no dressing code imposto por regimento interno às funcionárias da loja do cidadão de Faro (mesmo que se tenha lembrado de uns exemplos que não lembram ao diabo, mas a autoridade académica serve para obnubilar as patéticas comparações, decerto).


Quando o episódio foi explorado a fundo, a comunicação social chegou à fala com uma senhora, dona de importante sinecura ("vogal do conselho directivo da agência para a modernização administrativa"), com um improvável nome: Maria Pulquéria Lúcio. À senhora apenas faltaria a farda militar para, lá do alto do seu importante púlpito, lavrar oficial justificação para que as funcionárias da loja do cidadão de Faro tenham as noticiadas limitações à indumentária. Disse que "[e]sta acção incide sobre várias matérias e, em particular, sobre o que deve constituir um atendimento de qualidade, que ajuda ou prejudica o relacionamento com os cidadãos", rematando que (e note-se como os atropelos à sintaxe continuam a fazer escola entre os fiéis seguidores do grande líder – o destaque é da minha autoria) "aspectos de postura pessoal foram abordados como importantes para uma imagem cuidada".


E por que razão estas restrições ao vestuário apenas se aplicam na loja de Faro? Desconfio que a D. Pulquéria é a consorte do comandante da capitania de Faro que nos idos do Verão proibiu o negócio das massagens em plena praia, ficando famoso pela tirada "sabe-se como começa uma massagem, só não se sabe como termina". Só podem ser casados um com o outro e devem ter imensos problemas com a sexualidade para tanto meterem o bedelho na dos outros. A D. Pulquéria podia perorar: "sabe-se como começa um atendimento quando a funcionária ostenta um excessivo decote, ou quando se insinua num entrecruzar das roliças coxas à mostra pela minissaia que traja, só não se sabe como esse atendimento termina".


Ora, não consigo compreender a fobia regulamentadora que não hesita em entrar pela esfera íntima de pessoas que só querem andar pela vida sossegadas. De que tem medo a D. Pulquéria? Terá descoberto que na loja do cidadão de Faro, e só na de Faro, estavam acoitadas doidivanas ninfomaníacas funcionárias? Tenho cá para mim que a D. Pulquéria vive atormentada com a possibilidade de as meninas e já não tão meninas funcionárias do atendimento se esquivarem com utentes a torto e a direito para as casas de banho do edifício, numa fornicação interminável que não só hipoteca a moral e os bons costumes como prejudica a produtividade dessa iconografia socialista que são as lojas do cidadão. Ou então a D. Pulquéria suspeita que a homenzarrada algarvia, e porventura a alentejana também, desataria a perder documentos só para poder regalar a vista diante do desfile de funcionárias lubricamente vestidas. Já percebi: a prudente e visionária D. Pulquéria quer impedir uma revisitação do episódio das "mães de Bragança".


Só não percebo isto: se as exigências de indumentária se explicam em razão de um atendimento, como dizer, "decente", de que tem medo a D. Pulquéria se as lojas do cidadão têm o monopólio do que por lá se faz? Estes fazedores de homens e de mulheres não param de surpreender. Hoje já se metem com a forma de vestir das funcionárias públicas. E ficámos a saber que é preferível as funcionárias cheirarem a cavalo do que aplicarem umas gotas de um, cito, "perfume agressivo". Que mais surpresas nos reservam para os amanhãs que faltam?

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