Os passos em falso. Os passos trocados. As convicções de um instante que esbarram em dúvidas logo no instante seguinte. Fermentam-se, imersos em dúvidas, até que ao cabo de todas as interrogações sobeja uma certeza: foi uma errada decisão. Os lamentos servem-se em doses generosas. Como se a levitação dos arrependimentos servisse, ao menos, para compensar as dores das erradas decisões.
Às vezes, parece que o cortejo infindável de erros cometidos é propositado. Se não propositado – quem acredita na impiedosa estocada em si mesmo? –, pelo menos de uma dilacerante espontaneidade que traz outras intenções. Quando o corpo arrasta os seus lamentos pede a comiseração dos outros. Talvez a misericórdia venha apagar do registo os equívocos idos. Como se a piedade vertida pela compaixão alheia tivesse o condão de apascentar as dores dos erros de outrora, fosse o túmulo que vira a página do erro cometido. Os outros, na sua comiseração, como bombeiros que extinguem o fogo ateado pela errada decisão.
Só que logo a seguir vem uma e mais outra decisão ferida pelas dolorosas consequências. Queixam-se: naquele instante, tão fugaz, em que uma palavra sentencia a decisão tomada, o que assoma à superfície é o dilema – fazer ou não fazer, dizer ou silenciar, optar ou omitir, estar presente ou estar ausente, ser ou ensaiar um esboço do ser. E quando um impulso final inclina a decisão, é como se logo a seguir fossem invadidos por uma terrível sensação de equívoco. Logo a seguir, as veias fervem com a convicção de ter sido errada a decisão. Nessa altura, o relógio já se adiantou às opções possíveis. A decisão, encerrada e sem retrocesso, deixa para o tempo vindouro as fatais consequências.
É quando o futuro acontece com voracidade. Nas avenidas onde desfilam os erros cometidos, o tempo ultrapassa-se a si mesmo e o futuro põe-se à frente do presente. Não se demora, a amargura das opções desvalidas. Convoca-se todo o arrependimento que se pode compulsar. Lá por dentro, uma irreprimível angústia encena uma coreografia. Os arrependidos disto e daquilo, de todas as decisões que perecem maculadas pelo odor fastidioso dos equívocos, as piores pessoas do mundo. Envergonham-se, se diante deles se hasteia um espelho. Mal do menos quando sobeja algum pudor e chamam a si, e só a si, a responsabilidade pelos actos que se transviam.
São peregrinos numa interminável procissão de lamentos. Há os que resguardam em si as dores lancinantes dos erros que se sucedem a cada dia que dobra o calendário. Mas há os que impõem a partilha das dores de si com quem lhes apareça pela frente. Endossar um quinhão das mágoas interiores serve para domar a melancolia em que se afundam depois de outra decisão ditada pela bússola avariada. É como se acreditassem que as decisões que erram se servem num manjar de socialização do erro. É a pior forma de demissão de si. A recusa em tomar entre mãos a responsabilidade pelos actos cometidos. Não anda longe das piores desvergonhas de que há conhecimento.
A certa altura, a densa experiência com os erros que vêm de trás de nada serve. Uns atrás dos outros. Dir-se-ia que a experiência acumulada, se tem alguma serventia é a de viciar os que erram numa interminável sequência de enganos. Entranhada a inclinação para os equívocos. Sabem-no, os peregrinos das auto-lamentações. Quando estão à beira de mais uma decisão e os assalta o temor de ser o passo com o travo amargo a saborear mais tarde, é por aí que seguem. Uma indomável atracção pelo abismo, a adrenalina de uma queda livre no precipício. Sem darem conta das tremendas dores quando o corpo se estatela, com fragor, no fim do precipício.
No rosário sem fim de erradas decisões, serviriam como professores das não decisões.
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