Outra vez a publicidade. A polémica publicidade. Não é a primeira vez que as cervejeiras contratam publicidade que vem acusada daquela boçalidade tão tipicamente masculina. É a lei dos estereótipos: há um consumidor-tipo de cerveja, o macho-alfa com trejeitos marialvas, a homenzarrada que se baba quando vê um corpo feminino meio desnudado e começa logo a desmultiplicar fantasias. Insurgem-se: as feministas, como é da praxe, porque a "coisificação" do corpo feminino devia ser crime; e a malta habilitada pelo pensamento politicamente correcto, também contra a boçalidade masculina que é um sinal do arcaísmo de mentalidades que por aí se vê.
Aos factos: a Super Bock começou a comercializar a cerveja preta Stout em garrafas de vinte centilitros e com abertura fácil. Para atrair a clientela potencial, enfatizam a mensagem na abertura fácil. Dá jeito a quem bebe cerveja. É um incómodo quando estão de garrafa na mão à procura do abre cápsulas. Às vezes (versão um: o másculo espécime que vive sozinho), no meio da desarrumação da casa é uma aventura entediante vasculhar o utensílio que desabrocha a prometida cerveja entre o lixo acumulado e a louça espalhada num caótico desalinho. Às vezes (versão dois: homem casado – ou amigado – com metódica mulher), no meio da irritante arrumação da casa não encontra o abre cápsulas porque a consorte, com a mania das arrumações, arranjou novo paradeiro para o objecto. Em vez destes desarranjos mentais, que até podem dissolver o deleite do sumo de malte, a solução que corta o mal pela raiz: uma garrafa de abertura fácil, com um gesto de um dedo só, deixa a cerveja à mercê do homem insaciável.
O mal – argumentam os críticos deste cartaz publicitário, muito compenetrados na gravidade do acontecimento – é a imagem sugestiva que enfeita o cartaz. Uma mulher em roupão. O roupão negligentemente apertado deixa os robustos seios a espreitar para a babada homenzarrada. A homenzarrada retribui: espreita os seios. O roupão prestes a ser desfivelado, alimentando as fantasias entre a malta dominada por hormonas selvagens em efervescência. A culminar, a frase chave, bombástica, a dar um "sentido" (mau, para os zelosos críticos) ao cartaz: "é só puxar". E o que puxamos? O cinto do roupão da apetitosa mulher? O revolucionário invólucro da garrafa de cerveja? Ou ambos? E, já agora, é-me permitido opinar que aquela mulher tem uns seios apetitosos, ou levo com o opróbrio de "objectificar" o corpo feminino?
Não exagerem no significado escondido das metáforas de que a publicidade se socorre. Podia sugerir aos mais indignados, até para sua serventia biliar, que aquilo é só publicidade. Não exagerem na hermenêutica da publicidade. Senão, um dia destes acordam e tudo gira à volta da publicidade, como se a publicidade tivesse tomado conta da realidade.
(De caminho, dou para o peditório da minha própria incoerência. Pois há quatro dias escrevi demoradamente sobre a imbecilidade de uma campanha publicitária contra o tabagismo. É a prova da minha generosidade: entrego-me nas mãos dos algozes que queiram identificar os momentos em que caí em contradição. E levo a generosidade aos limites: não quero que se cansem a inspeccionar, de lupa em riste, as incoerências das minhas palavras. Faço o serviço por eles.)
Quanto ao resto, tão imersos na justeza da causa a que puxam os galões ao disparar a artilharia toda contra este anúncio, e nem percebem que ele acaba por lhes prestar um serviço prestimoso. Noutro filme publicitário da mesma empresa ao mesmo produto, uma irmandade de consumidores imagina que a Stout é um lúbrico spa onde as massagistas são todas (como dizê-lo sem ofender ninguém?) tentadoras. E a homenzarrada prossegue nas suas fantasias com aquele ar aparvoado que fazem quando os olhos ficam vesgos à passagem de uma escultural mulher. Lá está: as figuras tristes da matilha que "coisifica" a mulher. É o melhor cartão-de-visita da causa das feministas empertigadas e dos apêndices movidos pela lógica politicamente correcta.
Mas pode dar-se o caso de ter escrito tudo isto só para irritar as feministas.
1 comentário:
Bem, eu vou opinar inteiramente à vontade até porque julgo, (se digo julgo é por sentir que certezas cada vez tenho menos), que não sou feminista, nem as mulheres gostam de mim, depois e em consequência disso também não gosto delas. Entre nós, mulheres, há um comportamento que detesto, que a qualquer momento me é dado observar. Por exemplo: Observo diariamente, que os meus colegas de trabalho, homens, se cumprimentam com um aperto de mão e uma palmadita nas costas, as mulheres, em vez disso, olham-se reciprocamente de alto a baixo, medem-se com espírito de rivalidade,por vezes quase se consegue saber o que lhes passa pelas mentes. Como vê, não morro de amores pelas mulheres, mas gosto de ser mulher. Mas não era bem isto que queria dizer, contudo, servirá este intróito para melhor perceber as minhas ideias. É que e quanto a mim, este género de publicidade parte de um princípio muito antigo, de que o homem é um troglodita, que destila baba pelos cantos da boca só com uma sugestão. Por isso as revistas que se dedicam à actividade que consiste na publicaç
ao de fotos de mulheres nuas, têm tanto êxito. Mas o contrário não acontece, isto é, as revistas com homens nus, não são adquiridas pelas mulheres, mas antes pelos homens, neste caso gays. Este meu reparo é um facto, nada tem a ver com algum resquício de feminismo. Suponho que a mulher age de forma bem diferente neste domínio, admira mais a inteligência de um homem do que os seus músculos. Torna-se algo patético um homem bonito mas sem nada que o valha naquela cabeçorra.
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