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Em Lisboa, mais um serviço camarário: brigadas que andam pelas ruas da cidade a recolher pastilhas elásticas que foram cuspidas depois de gastas pelo ruminante salivar. Usam material importado da Holanda. De repente, uma comparação pouco simpática para os mastigadores de pastilhas elásticas: assim como andam funcionários camarários a retirar chicletes gastas do chão para que não se colem ao calçado dos transeuntes, também temos a sensibilização dos donos de cães para que não deixem plantada na rua a merda que os canídeos dejectam.
É possível que esta infeliz comparação tenha vindo ao de cima por causa da pessoal embirração com pastilhas elásticas. Logo eu, que se pudesse proibia todas as proibições (são os genes de um anarquista), às vezes tenho uma suicidária atracção pela proibição de chicletes. O que só encontra explicação numa destas hipóteses. Ou é porque ainda sou sobressaltado por um sonho que persegue desde a infância (uma pastilha elástica que fica colada na garganta, pondo-me à beira da asfixia). Ou é porque o triste espectáculo dos que ruminam pastilhas elásticas torna o adereço pouco recomendável (para além de ainda não ter percebido qual a utilidade da coisa).
Outra vez às voltas com sonhos. Neste caso, um pesadelo insondável. Que me lembre, experimentei pastilhas elásticas meia dúzia de vezes. Ainda nem sequer tinha chegado à adolescência. Nunca mais voltei a enganar a saliva. E, contudo, persegue-me este pesadelo desde os bancos da escola primária. Daqueles pesadelos que terminam com um acordar desassossegado. Dentro do pesadelo, a pastilha elástica escorrega da língua para a garganta. Os esforços para a travar são em vão. A pastilha elástica afunila-se nas entranhas, impotentes os músculos bocais para a trazer de volta ao lugar onde ela pertence. Pois a pastilha elástica é pegajosa, feita de uma matéria que se cola às superfícies com que contacta (quem nunca foi incomodado por uma encardida chiclete cuspida para o chão e que se agarrou à sola do sapato?). Ela incrusta-se naquela cavidade da garganta que leva o ar dos pulmões até ao nariz. O sonho termina quando, dentro dele, me contorço aflitivamente com os primeiros sinais de asfixia.
Se não é por causa deste pesadelo ainda recorrente, é por causa das lamentáveis figuras da malta de todas as idades que anda por aí a ruminar pastilhas elásticas. E não, não é um exclusivo da tribo do futebol. (Quem nunca foi incomodado pela imagem de treinadores que mascam alarvemente pastilhas elásticas enquanto debitam a táctica para dentro do campo? Ou com o banco de suplentes repleto de jogadores ansiosos por saltar para dentro do campo e que, enquanto o treinador o não permite, se vingam furiosamente nas pastilhas elásticas que contêm a raiva de quem ficou de fora?)
Como a todos é permitido destilar os incómodos que ferem a vista, eis o meu: ver esta gente a mastigar ruidosamente, e de boca bem aberta, as chicletes. É-me indiferente que se queiram pôr no mesmo pedestal de animais que são ruminantes. Podiam ao menos poupar a poluição visual em que são pródigos quando passeiam, ufanos – e nunca entendi por que andam ufanos os mastigadores de chicletes – com a artificial gosma de um lado para o outro da boca, os dentes todos bem à mostra, numa mastigação que traz uma insuportável poluição sonora.
Deduz-se que estou a sugerir que se proíbam as pastilhas elásticas? Longe de mim tamanha aberração. Continua a valer mais o princípio metódico da proibição das proibições. Mas admito que esbocei um sorriso cínico quando li a notícia sobre a recolha das gomas que se demoram na saliva e que, no fim da paciência, são boçalmente cuspidas onde calha. Um sorriso cínico porque não consegui reprimir a tal comparação: os danos dos cães são convencidos a recolher com um saco escuro a merda que os canídeos depositam nas ruas da cidade. (E quem nunca foi incomodado pelo cheiro nauseabundo em redor, descobrindo que acabou de pisar um dejecto canino?)
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