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O optimismo há-de ser a candeia que empresta luz ao futuro. Assim radioso. Todos os dias nascem com um sorriso largo, os dentes – todos brancos, bem tratados, visitas assíduas ao dentista como mandam os bons costumes – os dentes todos à mostra. Abre-se um jornal, ou espreita-se um noticiário na televisão, e o sorriso resguarda-se na sua altivez. Saímos à rua. As pessoas que passam são um campanário onde se alojou a simpatia, de onde se ausentou a rudeza de modos. A confiança recíproca respinga de cada golfada de ar expirada pelas pessoas que passam.
Não há personalidades irritantes. Só aparece quem merece. Aprendemos que não vingam os pretextos que dissolvem as nossas fragilidades, as nossas incapacidades, numa nuvem mal escondida. No altar onde o mérito foi entronizado, a mediocridade é estugada num ápice. As regras deixaram de motivar muita gente a puxar da imaginação para encontrar um modo de as não respeitar sem levar com as penalizações em cima. Outros, advogados de gema, já não peritos em esquadrinhar as regras para descobrir os seus buracos e a elas escapar sem pena agravada.
Definitivamente, os chicos-espertos emigraram. As golpadas já sem lugar à ovação da tribo que só lamenta não se ter antecipado na criatividade que fermentou o golpe de asa. Corrupção, palavra banida – e não apenas do dicionário. Outra vez, para relembrar: os medíocres acantonados no seu exílio interno. Ou exportados pela porta da emigração, talvez para se certificarem que nas outras terras ainda é mais impossível soerguer a cabeça à custa da mediocridade. Deixariam de bolçar alarvidades que fazem passar por catedráticas sentenças. Nem haveria um séquito que, encantado, aplaudia entusiasmado cada laivo de mediocridade a fazer-se passar por manifestação de genialidade.
Valeriam mais os saberes do que a improvisação. Talvez então às escolas, ao ensino em geral, em todos os graus, fosse conferido o valor que merecem. Em vez de serem um permanente laboratório de experiências em que os cientistas à distancia perseguem atafulhados no experimentalismo que vitima as criancinhas, as escolas seriam os simplificados palcos dos saberes. Santuários do valor futuro.
Se tudo isto não fosse apenas um idílio com a mentira do que não conseguimos ser, veria sindicalistas jovens a dar a cara pela causa, porventura com desprendimento mental para não serem estouvados a reivindicar o estertor de um deserto anunciado. E veria empresários com visão, não os labregos que se pavoneiam na televisão e nos jornais e nas revistas ufanando-se do lugar empertigado a que chegaram e dos generosos proventos que a si distribuem. Veria políticos honestos, sobretudo no maior bem que poderiam oferecer a si mesmos – a honestidade intelectual. Não veria inveja que consome energias e desvaloriza o merecimento que é dos valorosos. Nem veria a inércia a montar acampamento, aquela imagem dos braços cruzados, a impotência, ou o desinteresse e a apatia, que é meio sintoma da mediocridade impante.
Se parasse para pensar, não demorava a voltar atrás para reduzir todas aquelas quimeras a nada. Dali escorre moralismo em catadupas. Um esforço inglório: jamais pode a pessoal visão do mundo aspirar a ser a dominante. (No dia que isso acontecesse, seria o principal militante contra o estado de coisas, uma revolta interior, uma caça aos fantasmas que tivessem açambarcado o espírito rebelde.) Aproveitei o dia, hoje que se celebra o que talvez fosse mais improvável celebrar (a mentira – mas, lá está, caio num moralismo de que me envergonho), para decantar o que seria uma mentira pegada. A antítese do quotidiano. Um sonho interior que não devia passar as fronteiras do ser.
E se tudo isto não é uma mentira por dentro da mentira, é porque a mentira já tomou conta de tudo. Celebremos a mentira, pois. Só que convocar um dia para celebrar a mentira é a maior hipérbole de todas.
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