9.4.10

O ambiente deificado


In http://www.duncancumming.co.uk/photos/save-the-planet.jpg
Uma câmara municipal vai deixar de apoiar um rali – que é cartão de visita da terriola – por respeito ao ambiente. Um dia destes estamos manietados pela vaca sagrada do ambiente. Vamos levar com leis protectoras do ambiente e cerceadoras de todas as liberdades. Um dia destes será proibido fabricar Porsches e Ferraris, ou tomar mais que um banho por semana, ou fazer sabe-se lá o quê só porque se descobriu que esse “sabe-se lá o quê” danifica o meio ambiente.
Se já não lá chegámos, não andamos longe – da deificação do ambiente. O novo modismo ambientalista é a “pegada ecológica”. Já há por aí medidores da pegada ecológica pelo que fazemos e deixamos de fazer. Cada passo que damos, e a maneira como o damos, é mensurável pelo mal, ou menos mal, que fazemos à vaca sagrada do ambiente. A câmara municipal de Fafe – talvez seduzida pela retórica bem pensante de ecologistas, ou talvez com autarcas que se enamoraram pelo politicamente correcto do ambientalismo – descobriu que o rali que põe a terriola no mapa uma vez por ano é mau para o ambiente.
É a pegada ecológica a falar mais alto. Os carros que participam no rali gastam muita gasolina; atentado número um ao ambiente. Uma turba de adeptos acompanha o rali; atentando número dois ao ambiente. Nas deslocações, a turba consome combustível e polui a atmosfera. E o mal não está todo feito: nos montes, onde a natureza ainda se aconselha (mau grado as horrendas torres eólicas que enxameiam as serras com poluição visual, no diagnóstico dos ambientalistas), a turba deixa vestígios. Espezinha arbustos e ervas, escarra para o chão, fuma e deixa as beatas onde calha, come e bebe e deixa atrás de si as sobras. Se esta gente toda estivesse sossegada em casa em vez de se entreter com uma actividade – como dizê-lo em linguagem ambientalista? – néscia, estava a fazer bem ao meio ambiente.
Às vezes ponho-me a pensar no que seria o mundo se por todo o lado os fundamentalistas do ambientalismo tomassem conta do poder. Era garantido que a qualidade do ambiente melhorava – e de que maneira. Como também era garantido um rol de proibições a torto e a direito. Tudo o que tivesse pegada ecológica seria pretexto para outra proibição por decreto, para gáudio dos legisladores de serviço. Admito que o mundo seria mais saudável. Mas também muito asséptico. E, pesadelo dos pesadelos, carregadinho de proibições.
Estaríamos todos acantonados em casa. Já não haveria turismo. O povaréu deixava de fazer o dominical passeio dos tristes (o que teria as suas vantagens, por outro lado). A espada da pegada ecológica, sempre em cima da cabeça de cada um. Seríamos obrigados a estar quietos, se a máquina calculadora da pegada ecológica fizesse soar um alarme. Deixaria de haver automobilismo. E outros desportos que obrigassem os intervenientes a fazer deslocações, pois as deslocações fazem mal ao ambiente. Talvez as competições desportivas passassem a ser virtuais, ou através de videoconferência – isto enquanto não se inventasse o teletransporte popularizado em séries de ficção científica (e só se ficasse comprovado que o teletransporte não produzia danos para o ambiente). Um banho por semana, no máximo, para pouparmos na água que escasseia. Das duas, uma: ou o ar passava a estar irrespirável, ou a indústria dos cosméticos prosperava como nunca. Até o sexo deixa uma pegada ecológica desfavorável – li algures. Uma lei impunha o limite admissível da actividade sexual de cada um. Lá está, um mundo muito asséptico. Seria o golpe de misericórdia nos bordeis e, por fim, a praga da prostituição banida do mapa. Só não sei se os ambientalistas conseguiam resolver o dilema demográfico. A Opus Dei seria aliada dos ambientalistas que aterrassem no poder.
O mundo é belo pela lente dos ambientalistas. (Onde está “belo” leia-se “tenebroso”.) 

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