21.4.10

Bem-vindos à realidade


In http://www.santoobama.com/images/santo.jpg
Santo Obama está quase a perder a coroa de santidade – se é que já não a perdeu, a atestar pela desilusão de muita gente que lá nos Estados Unidos (que é onde interessa medir se as pessoas gostam de quem as governa) afirma em relação ao presidente que ainda mal aqueceu o lugar. Os aduladores do messias lêem, a contragosto, a notícia. Ou talvez não: admita-se que até eles entraram em rota de colisão com a excruciante decepção. Também eles contavam que tudo mudasse – e para melhor. Ao menos comprazem-se que já não têm que aturar o imbecil Bush Júnior.
A realidade é uma merda, porém. É ela que tem culpa que o prometido messias tenha fracassado em várias esquinas da história. É aqui que apetece glosar quem alguma vez advertiu que as palavras vão no vento que sopra. Os especialistas das relações internacionais chamam-nos a atenção: temos que pôr os pés no chão. É o “realismo”. A política feita dentro da dos limites do possível. Quando chega o momento de aterrar das ilusões debruadas por palavras encantatórias, o possível está muito longe do desejável – e do que foi prometido.
Admito que Santo Obama continua a hipnotizar um numeroso séquito, sobretudo nos países que não têm voz sobre os assuntos da política dos Estados Unidos. Ao que consta, lendo aquela notícia, mais e mais gente vai passando para a barcaça que aloja os desiludidos, os que já dissolveram a coroa de santidade do agora simplesmente Obama. Talvez já tenham percebido que era um falso messias. Um mero produto de marketing político com a sorte adicional de ser o sucessor do desastrado Bush Júnior. A predisposição para acolher o “senhor que se seguia” explica o entusiasmo da multidão enfeitiçada. Nunca hei-de esquecer o périplo de dois excitados jornalistas lusitanos na noite dos festejos da vitória de Santo Obama. Até parecia que tinham votado nestas eleições. Ia jurar que os jornalistas deviam ser imparciais, mas porventura as regras do bom jornalismo já mudaram e eu ainda não dei conta.
Detesto ter a presunção de ser o dono de um qualquer oráculo. Para os adoradores da “verdade” (assim mesmo, grafada de propósito), isto: não me encho de contentamento ao ver como esmorecem, um atrás do outro, os outrora aduladores de Santo Obama. Uno-me na sua dor, pois as decepções alheias não são motivo de rejubilo. Se há prazer que retiro da notícia que faz saber que lá nos Estados Unidos cresce a desilusão com Santo Obama, é porque se iniciou o processo que vai reverter a beatificação da personagem. De resto, a minha sentida solidariedade com os desiludidos que, não sei se será sintomático, andam entretidos com outros temas e parece que se esqueceram que há um presidente negro, cool e muito modernaço nos States.
O deleite sublime é imaginar as reacções de desprazer dos outrora aduladores de Santo Obama de cada vez que anotam de uma decisão que contraria as promessas messiânicas. O seu silêncio é ensurdecedor, o protesto silencioso tornado audível mercê da omissão do panegírico constante que fazia tangente a uma hagiografia a destempo. E gosto de sentir que foi quebrado o consenso bem pensante, imposto por aqueles observadores atentos que entendiam inadmissível não ser cultor de Santo Obama. Desapareceram do mapa, mergulhados nas águas embaciadas do seu próprio silêncio. Por fim, não fica mal não gostar de Obama (sem a aura de santidade, como é óbvio).
Os vendilhões das promessas com o papel de embrulho messiânico esbarraram na desagradável realidade. É que os sonhos não têm cabimento na cruel realidade. Bem-vindos à realidade que tanto dói.

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