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O papa vem cá um dia destes. Alvoroço. E não é só entre os católicos, naturalmente excitados com o guru supremo da sua crença. Também andam alvoraçados os fieis do anti-clericalismo. O cavalo de batalha é o protesto contra a tolerância de ponto oferecids pelo governo aos funcionários públicos (viva, portanto, a igualdade) nos dias em que “sua santidade” andar por aí a anunciar a boa nova.
É curioso: fala-se tanto da guerra de civilizações, o fermento do conflito latente que mais nos preocupa; fala-se de um antagonismo provocado por crenças diferentes, maneiras diferentes de arquitectar uma civilização, quase sempre montadas (as civilizações) no estirador de entidades divinas diferentes. E esquecemo-nos que é dentro de nós, neste antagonismo entre católicos e anti-clericais, que germina o conflito. Deus por toda a parte. Para uns, porque existe e é dogmaticamente seguido. E para os outros, que do lado contrário da barricada insistem em negar a sua existência e movem uma guerrilha aos crentes.
Como ateu convicto, sinto uma ternura pelos católicos quando são atacados de forma aviltante pelos anti-clericais de serviço. Uma paradoxal ternura – e disso não passa. Não perdoo os abutres anti-clericais que alinham no mesmo tipo de irracional fundamentalismo em que nidificam muitos dos que acusam do alto da sua soberba intelectual. Se é que podíamos dizer que há uma causa (o que seria um contra-senso: o ateísmo não pode ser uma causa, é um modo de vida cingido à individualidade do ser), a excitação anti-clerical é o melhor aliado dos católicos. A imbecilidade de muitos sacerdotes anti-clericais é um convite à, pelo menos, simpatia com os católicos.
Não é que os católicos, acossados pelos detractores, reajam com menos imbecilidade. Por ocasião da generosidade governamental decretada para os dias de visita papal, os adversários criticaram a deferência e os católicos aplaudiram-na. É compreensível que os católicos se sintam recompensados. Não têm que meter um dia de férias para a homenagem do chefe da igreja a que pertencem. E, lá no seu íntimo, sentem que venceram uma batalha aos adversários. Os anti-clericais espumam raiva. Acham intolerável a tolerância de ponto. Acusam a capitulação do Estado e uma traição à Constituição, pois vem lá escrito que este é um Estado laico. De regresso ao lado oposto da barricada, os católicos empenham-se em oferecer um argumento risível em sua defesa: perguntam aos assanhados ateus se não aproveitam os feriados religiosos que estão espalhados pelo calendário. Como se um feriado se confundisse com uma tolerância de ponto.
Já não há paciência para estas guerras de alecrim e manjerona. Não me pronuncio sobre os argumentos que, em pose vitoriosa, os católicos esbracejam. Como ateu dos quatro costados, magoam-me os abstrusos ataques dos anti-clericais. Se ao menos entendessem que ir ou não trabalhar nos dias de visita papal é uma decisão individual, talvez não dessem para o peditório de uma polémica que só tem o condão de reforçar as trincheiras do catolicismo bafiento. Mas isso é pedir muito a esta seita habituada a frequentar os salões da maçonaria. São educados nas virtudes grupais, do indivíduo que sucumbe diante das prioridades do “interesse da sociedade” (essa abstracção). Não se lhes pode pedir que raciocinem como indivíduos, pois são educados para seguir a matilha.
A lamentável polémica que não passa de um epifenómeno teve o mérito de colocar sindicalistas, uma vez na vida, ao lado dos interesses dos empresários. Ficaram indignados com a oferta de tolerância de ponto, pois como a crise é teimosa não faz sentido desbaratar uns dias de trabalho só porque temos papa entre nós. Pode ser que o vulcão islandês, o vulcão de nome impronunciável, continue a vomitar lava e cinzas e impeça a visita de “sua santidade”. Para matar a polémica de vez, com um sentido agradecimento ao vulcão de nome impronunciável.
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