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Outrora, vertia com abundância água fresca, manancial de um frondoso caudal que descia pela serrania. Aquela água fresca reproduzia um frémito voluntarioso, o altaneiro método de confirmar a existência. Não haver estio que a enxugasse. Não importava que houvesse largas temporadas sem a visitação das chuvas; da fonte jorrava um caudal indiferente aos contratempos. Era um caudal que se alimentava a si mesmo na tremenda vontade de arrotear os sóis que se prometessem a cada dia nascente.
A água rumorejante brotava das profundezas onde apenas se discernia a escuridão. À boca de cena, onde enfim se engalanava com a luz do dia, ou com o piedoso breu nocturno em noites sem luar, enroupava-se de ouro. As suas gotas ungiam o musgo e os fetos nas redondezas com um magnífico odor de pétalas perfumadas. Ali adiante, numa reentrância do solo, formara-se um pequeno lago que dera repouso a uns alvos nenúfares.
Tudo em redor era um pasto de bucolismo. Rompia a agreste paisagem serrana, um amontoado de granito desarranjado que despejava um prontuário de aridez. Aquela bucólica paisagem, imorredoira – julgara-se. A invenção dos sentimentos tinha o seu altar nas margens do pequeno fio de água que tragava as pedras e o musgo no caminho, à medida que o fio engrossava a caminho de um caudal decente. Mas era ali, naquele quase insignificante rumor de água, por vezes quase imperceptível, que os sentimentos encontravam o seu nutriente. Era ali que o mundo parecia diferente de tudo o resto, um lugar privativo.
O tempo apascentou a acalmia dos elementos. A certa altura, jogara-se a ambição das esperanças mais altas. O ténue rumor de água já não ecoava nos ouvidos. Os pés desceram o caudal até o encontrarem encorpado, mas silencioso. O curso de água não deixara de ser o sedimento de uma paisagem ainda bucólica – diferente, mas ainda bucólica. A sumptuosidade do caudal engrossado esgotara-o na sua rotina. Já não passava de um espelho de água parada, com um silêncio terrível a fazer-se estrepitoso. Era como se aquele demorado silêncio tivesse um peso insuportável, toda aquela água o peso do chumbo a esmagar-se no rosto em sucessivas levas. Parecia que o caudal buscava nutriente noutro manancial.
O corpo metera-se ao caminho. Quisera regressar à fonte que fora sedimento de tudo, como se fosse uma peregrinação regenerativa. Uma demanda complicada. As memórias foram atraiçoadas pelo denso manto do tempo percorrido. Houvera sido difícil descerrar as direcções acertadas entre as múltiplas encruzilhadas que levavam à fonte outrora mágica. Quase a desistir, um esforço derradeiro derrotou a vaga esperança de encontrar o lugar. Oxalá a persistência não tivesse vingado. Redescoberto o lugar, era uma caricatura do frondoso sítio que o fora na sua áurea época.
A fonte secara. Nem uns pingos de água abrolhavam da desembocadura. Espreitara pela escuridão que escondia as entranhas da fonte. Metera a mão em tentativa de ao menos notar humidade, como se essa humidade fosse um lampejo que matasse a desesperança. Mas nada. Olhou em redor e confirmou a devastação. Já não havia musgo, nem fetos. Adiante, a reentrância do solo despira-se do seu pequeno lago. Apenas um solo de ressequida lama feita em retalhos pela secura impiedosa. Nem sinal dos nenúfares e das flores de múltiplas cores que enfeitavam a paisagem. Ou do perfume que a cevada vegetação emprestava ao sítio.
A aridez em redor tomara conta do lugar.
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