27.9.10

Noivinhas de molho

In http://www.jblog.com.br/media/127/20090525-noivas.JPG
O rebuliço junto ao mar, a populaça a acotovelar-se na sua mirone condição. Um cachalote morto deu à costa? Um tardio veraneante indisposto, comido pelo mar? Uma raridade da natureza – uma estrela do mar gigante, ou um polvo descomunal – a bolçar agonia diante da audiência sordidamente voyeur?
Não. Uma mão cheia de noivas em pose fotográfica. Só havia noivas, os noivos misteriosamente ausentes. Um tango de uma perna só, portanto. As meninas ondeavam os longos brancos vestidos, metiam as mãos debaixo do cós do vestido para empurrar a longa, pesada cauda pelo areal. Andavam de um lado para o outro sempre solícitas às audíveis instruções dos fotógrafos. As extremidades dos vestidos perdiam a coloração branco pérola, enxertando-se da sujidade das areias molhadas por onde as caudas dos vestidos se arrastavam. Perdiam a virginal refulgência de outrora, os aparatosos vestidos.
O insólito rebuliço atraía mais gente. Já era uma multidão que tomava conta da embocadura do passeio marítimo em forma de cordão humano. As meninas noivas que não eram acolitadas pelos consortes continuavam na azáfama ditada pelos fotógrafos. Sempre com um sorriso de orelha a orelha, daqueles sorrisos que de tanto ver até cansam a retina. A para aí dúzia de donzelas não parava de cirandar no areal molhado pela maré que enchia. Os pés descalços subentendiam-se debaixo do que o longo vestido pouco deixava à mostra, quando iam pé ante pé na marcha árdua ditada pelo peso deitado sobre as caudas dos sumptuosos vestidos.
Uma onda mais atrevida molhou os calcanhares de duas noivinhas. O que deu outra ideia aos criativos fotógrafos. Uma fotografia em conjunto, as noivinhas de praia estendidas em duas filas – as mais altas lá atrás, as mais baixas curvadas sobre o dorso, todas com os pés enfiados dentro de água. Mal empregadinhos vestidos carotes a serem demolhados em água salgada. E nem a (adivinho) gélida água do mar nortenha furtava um esgar de desprazer. As estóicas noivinhas cumpriam a função com uma diligência homérica. Nem o peso dos vestidos em que estavam atafulhadas, nem a fúria das ondas na consumição final da preia-mar, ou a saudade dos noivos ausentes, furtava um segundo ao sorriso fotogénico que nascera com elas.
As algas que vinham na espuma das ondas emprestavam novas cores às molhadas extremidades dos vestidos. Já não era o dourado das areias molhadas a trespassar o imaculado branco pérola da ordem. À medida que maceravam no restolho da maré alta que se finava na entrada do areal, as caudas dos vestidos ganhavam uma tonalidade escura. Das cores que não auguram esperanças demoradas às noivinhas que se entregam às ilusões de um conto de fadas.
E o que seria dos noivos ausentes? A populaça olhava e olhava em redor, e nada dos noivos prometidos às joviais noivinhas. A populaça estranhava que os consortes não estivessem presentes na função. Um mirone interrogava-se se aquilo não era como as noivas de Santo António – esse rocambolesco casamento colectivo pago pelo edil de Lisboa – com a diferença da ausência dos consortes varões. Não tardou a desenganar-se. Meteu as pernas ao caminho, rabugento e mal encarado: homessa, lembra lá ao diabo que a dúzia de noivinhas andasse naquelas andanças e nem os noivos por perto. Maldito embuste. Afinal não havia noivinhos. 


Adenda: Descobri agora que isto tem a ver com isto.

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