In http://www.guilhermelopes.com.br/wp-content/uploads/2009/11/tecnologia_mano11.jpg
O que aprendemos? Que devemos à tecnologia – aos seus avanços – um demorado aplauso. Se não fossem os inventores e os cientistas, tínhamos estacado na idade das trevas. Ora, as conquistas que quase todos os dias fazem crescer o bornal da tecnologia são uma candeia que ateia o nosso bem-estar. Alguém pode argumentar que a tecnologia é um totalitarismo atroz?
Há quem o faça. Aqueles que consideram que vivemos emparelhados com a tecnologia. De cada vez que um progresso se apresenta a nosso favor, tornando a vida mais fácil ou deixando-nos tocar em coisas que antes estavam vedadas, não damos conta que aumenta a dependência do que é trazido pela tecnologia. O mal é que nos desumanizamos, tão aprisionados a máquinas e maquinetas e processos facilitadores da labuta diária. Não interessam os resultados, por mais bem-estar que eles tragam; o que interessa são os processos maquinais que retiram a cada passo fragmentos da nossa humanidade.
Agora registamos tudo e mais alguma coisa. Alguma dessa informação é partilhada com os outros, com aplicativos que enviam os registos do que fazemos e donde estivemos para redes sociais e afins. Há dias soube que nos Estados Unidos passou a ser possível adicionar uma funcionalidade nos telemóveis que torna ainda mais transparente a individualidade dos que abraçarem o mecanismo, pois a sua localização instantânea fica acessível a quem a queira saber. Ou podemos registar inúmeros parâmetros da actividade física e enviá-los para uma plataforma em rede que, assim o queiramos, também coloca esses dados à disposição dos outros.
Não se confundam os planos. A tecnologia que se oferece como pano de fundo da facilitação da existência e do bem-estar está num plano, o desapossar da privacidade com a falsa transparência da individualidade, noutro. Esta moderna modalidade de voyeurismo é consequência das facilidades da tecnologia que cavalga imparável. Ainda por cima trata-se de um voyeurismo singular, que parte de dentro do indivíduo para o exterior. A urgência em mostrarmos o que somos, onde estamos, o que fazemos, com quem conversamos, não é dar transparência à existência. É espalhá-la ao comprido para os olhos de quem a queira ver. Outra vez – como no texto de ontem: esfuma-se a privacidade. A menos que o seu sentido já seja diferente, a privacidade locupletada pelos olhos ávidos que querem saber como são as outras vidas.
O cerne: o livre arbítrio. Alguns atiram-se com ferocidade à tecnologia tão avançada que é uma intrusa na intimidade de cada um. As condições estão criadas, é um facto, pelas avenidas desbravadas pela tecnologia que foi avançando. O que há pouco tempo era impensável depressa se transforma em rotina. O problema não é a avançada tecnologia que é intrusiva. O que importa é o uso que damos às possibilidades oferecidas pela tecnologia. Se ela permite que tudo o que somos e o que fazemos seja uma ampla janela aberta por onde todos podem olhar, esse não é um obrigatório cutelo que secciona a jugular da privacidade. Só se tivermos a vontade de franquear à curiosidade alheia o que somos e o que fazemos.
A tecnologia não é um totalitarismo. Não somos forçados a acorrentar a existência pessoal aos ditames da transparência voyeurista que é uma onda a crescer a cada dia que passa. E, mesmo se cada indivíduo se deixar enfeitiçar por um insólito sentimento de absoluta transparência da existência, nem assim a tecnologia é totalitária. Tudo depende da vontade do indivíduo. A tecnologia só é totalitária quando o poder público a usa para vasculhar a existência de cada indivíduo sem lhe prestar contas.
Sem comentários:
Enviar um comentário