17.9.10

Pusilânime


In http://2.bp.blogspot.com/_28sKn9j0t-0/SUMT8aO_rKI/AAAAAAAAAIk/VA0NEh2sPfc/s400/encruzilhada.jpg
(À L.)
Urgiam decisões fortes, decisões que convocavam coragem. Urdia todos os passos necessários. Planos traçados em estiradores e com instrumentos de precisão milimétrica. Era capaz de adivinhar esgares, palavras em revoada, silêncios sintomáticos. Até era capaz de prever os efeitos. Só que os movimentos eram tomados pela inércia no exacto momento em que a acção se convencera do seu império. Poltrão, mergulhava nos devaneios interiores onde pontificavam pensamentos em efervescência.
Os sinais enviados pela súbita paralisia da acção eram toda a sua ambiguidade. Era como se por dentro o sangue cavalgasse em sobressalto, de um lado para o outro a incendiar as veias, algum desse sangue em tormentoso caudal esbarrando noutro sangue vindo do lado contrário. Emparedado entre a urgência da acção e a inércia a vingar no derradeiro instante, diante dos olhos deitava-se uma nebulosa densa. Estava destinado a navegar por estima entre a bruma que locupletava a visão. Numa tremenda errância, o corpo aos trambolhões, encamisado nos apertados corredores do turbilhão a que se dera.
Queria saber o significado da pusilanimidade. As suas causas. O impulso que vinha de dentro e convocava à acção urgente representava uma coisa; mas o seu oposto estava encerrado na mais elevada pulsão que impedia os movimentos. Era mais o tempo em que o pensamento se atirava à necessidade de agir. O raciocínio articulava-se nesse sentido. A racionalidade furtava-se à tempestade emocional e alinhavava uns fragmentos que pacientemente desaguavam num plano. O plano que ditava a irremediável acção. Mas depois havia uma esquina dobrada no pensamento. E o pensamento acovardava-se. Os projectos que a racionalidade ensaiara cediam num qualquer altar a que faltava determinar o sentido.
O correr do tempo – lento na ocasião; e como ele é implacavelmente lento quando devia voar depressa – hipotecava a acção reclamada. Porventura a impecável racionalidade que compusera o imperativo da acção era a sua própria traição, afinal longe de ser impecável como era julgada. Interrogava-se: o ânimo fraco de que se julgava tomado não era a contraprova da racionalidade? Ou uma racionalidade de sinal contrário, não uma qualquer covardia que impedia a acção antes julgada urgente. E talvez não houvesse covardia nenhuma só por vir de mão dada com a inércia.
Do pensamento em efervescente turbilhão, atirando-se constantemente para os seus opostos, uma lucidez irrompera no momento derradeiro. Afinal não havia necessidade de acção – pelo menos daquela acção que reclamava uma radicalidade tempestuosa, um autêntico terramoto interior. As vidas atravessam os seus críticos momentos. É quando se exige a introspecção que transita o pensamento em profunda redescoberta interior. Podem até encontrar-se inúmeras incapacidades, ou palavras que tenham fermentado a perplexidade, ou um mar de dúvidas existenciais. Saiba o pensamento saldar-se por alguma lucidez, por uma lucidez que seja.
A reflexão consentida, quando já vem depurada do travo de emocionalidade, tem uma magnífica aptidão: descobre resultados que eram desmentidos pelo anterior pensamento imerso em profunda tempestade cerebral. Não há ânimo fraco, ou covardia, quando tudo se congeminava para a urgência da acção e, mesmo à boca de cena, a acção colapsa. A meio do turbilhão de opostos, um acaba por se sobrepor. O que sobra é o sentido da opção que vingou. Não interessa que a inércia tenha derrotado a acção que era convocada com a urgência da véspera do fim do mundo.
O que interessa é perceber porque ela se sobrepôs. E, no fim de contas, o que se julgava inércia pode ser a acção mais sensata.

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