9.9.10

Há palavras reveladoras: tribunais organizados em varas


In http://osirmaosbacalhau.files.wordpress.com/2010/05/porcos-gripe-suina.jpg
Por estes dias de imensa turbulência na justiça, de repente choquei de frente com uma palavra sintomática que lá está enquistada: os tribunais estão organizados em “varas”.
O que se segue é um exercício propositadamente manipulativo. Admito – e talvez professores de história do direito o confirmassem – que a palavra “vara” tenha uma etimologia própria quando aparece conotada com os tribunais. Eis a minha manipulação: uma vara é um conjunto de porcos. Sem desprimor para os bácoros, e correndo o risco de ofender a muito elevada dignidade dos actores que participam na justiça (juízes, ministério público, advogados – já para não mencionar actores involuntários: as partes que esgrimem argumentos e as testemunhas que levam atrás de si), a pocilga em que se transformou a justiça é a sua imagem acabada.
São os casos que acabam em nada apenas por acidentes processuais, por causa de um imprevidente acto ou omissão que sacrifica a substância da justiça aos mesquinhos caminhos processuais. É quando nos pedem para esquecermos os factos que são por demais comprovados, como se aquilo nunca tivesse acontecido. São os advogados manhosos que se mexem muito bem nos interstícios da lei, useiros e vezeiros em manobras dilatórias que impedem ou retardam a justiça. Dizem-me pessoas que vivem por dentro do meio: são juízes sobranceiros, normalmente os mais jovens que puxam galões à autoridade conferida pela toga, que assinam sentenças improváveis, a loquacidade da sua ignorância. É toda aquela prosápia, o “juridiquês” que põe os juristas em diálogo de frequência reservada. E são os protagonistas do meio: o presidente do supremo tribunal que parece retirado de uma charada dos Monty Python; o atadinho procurador geral da república, amigo do peito de políticos que, manda a estabilidade da pátria, não sejam investigados por suspeitas de crime; ou o bastonário dos advogados que escorrega todos os dias para a incontinência verbal.
E depois há as leis redigidas por juristas de gema, num linguajar hermético para afastar os leigos. As leis, tantas vezes um mar de ambiguidades – talvez para que os seus fazedores, prestigiados lentes que dão uma perninha na legislação estadual, possam depois assinar faustosos pareceres que ora dão uma no cravo, ora outra na ferradura. E são, ainda, os juristas de bancada que soltam a verve jurídica nos casos mais mediáticos, como se tivessem aprendido direito na universidade, ou como se estivessem por dentro das resmas de papel que compõem o tal processo mediático.
Só havia um termo melhor que “vara” para usar na organização interna dos tribunais, e esse seria “pocilga”. Aviltante seria, contudo. Pelo perjúrio que envolve. Uns quilos de maquilhagem semântica compuseram o assunto sem lhe retirarem a essência: pocilga não podia ser, mas vara lá se aceitava. E mesmo que a pocilga seja a casa onde vive a vara, a pocilga traz atrelado um imaginário popular de imundície que não é digno para a justiça. Assim como assim, os tribunais são um órgão de soberania. O que aconselha tratamento solene. Excluiu-se a pocilga. Reteve-se a vara. Os bácoros reconhecem que o são, sem quererem emporcalhar os tribunais por onde fazem vida profissional. É sintomático: não é na casa da justiça (os tribunais) que radical o mal; é nos seus intérpretes, que, congenitamente recos, mandaram que a casa de justiça se organizasse em varas. As varas onde se acoitam os atrás nomeados intérpretes da justiça.
Não gosto muto de certezas categóricas, mas lá vai uma: não podia ter melhor decidido quando, com o canudo de direito na mão, me afastei a sete pés desta pocilga.

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