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Bem alto. Ergue-o bem alto, esse cálice onde repousa um qualquer néctar dos deuses. A sagração das coisas belas que há em todos os gestos, nas palavras, nos interstícios do espírito. Mesmo quando se escondem sob um denso manto de escuridão, quando parecem asfixiados pelo plúmbeo tecto de nuvens, ergue o cálice à positividade da vida que se encerra na sua simples existência.
De que serve toda a gravidade das coisas sérias? De que serve arrastar os olhos pelos lados mais esconsos, onde gravita a poluição da existência, o entulho que carrega a inútil melancolia? Qual é a serventia dos dias a fio em sorumbática pose, o sorriso emigrado para outras latitudes? Dedilha essa página amarelecida, a página com um insuportável odor a bafio, onde jaz uma camada de poeira que é a marca da inércia do muito tempo que encerra um património de prodigalidade do tempo. A seguir virão outras páginas, incertas como os dias vindouros. Encara-os de frente, como se fosses um destemido forcado que pega o touro de cernelha. Pega-o pelos cornos e, num arrebatamento em que escavas do fundo de ti as forças mais inesperadas, doma-o numa deslumbrante cambalhota.
Recusa os dias cambaleantes, os dias madraços em que vagueavas em errância com os olhos perdidos no chão imundo ou no horizonte tão cheio de nada. Fecha as janelas aos ventos que sopram a fuligem que macera, que a sitia nos lugares preenchidos pela sombria ferrugem. Os dias nascentes, os dias que se anunciam soalheiros, são o néctar servido no cálice que empunhas bem alto pela alvorada. As manhãs claras são uma precoce sagração do privilégio da existência. E descansa, que o devir não se demora.
Saboreia cada gole sorvido do cálice que festeja a imensidão da vida. Deita-te nos prazeres que celebram todas as alvoradas que jamais incorrem no menor desmerecimento. Que os pés não se arrastem na indiferença dos dias repetidos. Não há dias repetidos – eles não podem ser gravados na posteridade. Só há um dia de cada vez. E se, às vezes, um dia no seu ocaso parece um desperdício, mete a ideia na algibeira das coisas inconsequentes. Ao menos saberás que esse dia, esse aparente inútil dia, te trouxe a outro dia que tens o dever de pegar pela haste e dele fazer um dia enfeitado a ouro maciço.
Sobra o imperativo de seres o alquimista da existência. Convence-te: não é no exterior de ti que encontras os porquês aos enigmas que são uma angústia dilacerante. Revolve no mais fundo de ti, que no desafio da imperativa metamorfose encontras os vestígios, por mais ténues que sejam, que semeiam o perfume das flores todas. Torna-te no alquimista de ti mesmo. Quando por fim sorveres o cálice que festeja a grandiosidade da existência, verás, em retrospectiva, que os arrependimentos são um erro terrível.
Não, não cuides de abjurar o passado. Ele é imutável e nem merece a especulativa impossibilidade de ser refeito. Mas não te esqueças que os dias vindouros se tornam rarefeitos quando te debates contra as ondas alterosas que são as consumições dos tempos idos. Não há absurdo maior: consegues lobrigar maneira mais idiota de espezinhar o tempo presente, destroçando toda a positividade que o porvir tem para oferecer?
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