3.9.10

Pedagogia do silêncio e do nada


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Saber calar quando não há palavras úteis. Recusar ser agente activo da poluição sonora, e mental, que roça a indigência. Às vezes exigem-se palavras, uma ideia, uma opinião sobre qualquer coisa. E se elas não saem espontâneas, se elas se articulam a custo, depois de arrepiar caminho entre as silvas espinhosas em inextrincável amontoado, pode resultar um apatetado conglomerado de palavras, de ideias, uma qualquer opinião cheia de vacuidade.
A maior lucidez: saber estar calado perante a provocação de palavras em que a espontaneidade manda dizer um peremptório nada. O que for além da precatada omissão é irrazoável. Um arrazoado de implausíveis, a maior das monstruosidades. Se as ondas cerebrais afinassem pela omissão, a sensatez teria triunfado.
A verborreia mental emerge, todavia, impondo a contradição do silêncio. Em vez de um salutar deserto, em que o nada se impusesse por o nada ser o terreno natural das ideias diante do assunto atirado para cima da mesa, um aluvião de palavras acintosas para a higiene mental. Elas atropelam-se numa inanidade que fere, com a maior das desfaçatezes de quem ostenta o muito elevado pedigree intelectual – um posto adquirido que cauciona as opiniões, as palavras que assim se fazem doutas sobre o que quer que seja.
A embriaguez das ideias, das palavras, das espantosamente iluminadas opiniões, ofende a humildade. É preferível o refúgio num canto escondido, numa geografia onde vingue o anonimato. Ao menos passamos incólumes à palavrosa inanidade que disserta sobre um assunto qualquer mesmo que à partida fossem zero as palavras que havia a dizer. E se a teimosia arremete na sua falaciosa tempestade cerebral para debitar o amontoado de palavras elegantes e contudo desprovidas de sumo, podia alguma modéstia aconselhar a poupança semântica. A haver inúteis palavras a gastar, ao menos que o fossem em modo económico.
Mas é tudo ao contrário. Nessa altura, convocam-se as redundâncias, as iterações de ideias, as palavras repetidas que aparecem de trás para a frente e depois escritas em ordem inversa, se preciso for. Os ouvidos, ou os olhos que são veículos até ao cérebro que as degusta, emprenhados com tamanha loquacidade. Atropelados pela enxurrada de ideias paradoxalmente densas, aquelas palavras que têm o peso do chumbo e que, contudo, se desfazem na leveza de uma pluma, tão frívolas.
A humildade intelectual, outra vez: o dever do silêncio que se impõe quando navegamos no deserto das ideias, na resplandecência de um deserto que se avizinha diante dos olhos. O nada é menos ofensivo, agride menos a dignidade intelectual, do que a orgia de palavras, de ideias, as opiniões atravancadas no meio de um labiríntico raciocínio que nem os seus fautores conseguem aclarar. Os experts de tudo e mais alguma coisa são um logro. Para os pataratas que, coitados, metidos na vara de sete paus da sua própria pequenez mental, se extasiam com a fátua verborreia. Mas o logro começa neles próprios, penhores da imensa sabedoria que cobre todos os saberes e assuntos vários que se perfilem. Quem assim engana a vasta audiência deve ter a consciência do logro interior que é.
E assim se despacha o texto quotidiano para o qual pesava a ausência de assunto. Até o nada é merecedor de tema. No fim do raciocínio, duas promessas interiores. Primeira: um esforço para não discorrer sobre o que se não domina (descontando sempre o erro de perspectiva, que se pode ajuizar conhecimento e, todavia, o olhar padecer de miopia). Segunda promessa: doravante, um esforço de economia semântica. Textos enxutos. 

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