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Ah, a vida mundana! O néon nocturno, o glamour da “gente bonita” que atravessa as ruelas apinhadas, os corpos extasiados pelo fervor noctívago, álcool a rodos, olhares furtivos que se trocam entre estranhos, ou olhares que deixam de ser furtivos, engates, ou apenas um rol de fantasias incessantes. A vida mundana, mar inteiro de artifícios, tão zelosamente empacotada num espaventoso papel de embrulho. E tão cheia de nada por dentro.
São actrizes – manhosas, amadoras, inanes. Destinadas a uma futilidade ímpar. O radar sempre ligado, os sensores activamente empenhados em detectar as caras larocas que depois enfeitam fantasias. Adolescentes extemporâneas. Encantam-se com gente que acham conhecer e que, todavia, dá-se o inditoso destino deles as não conhecerem de lado algum. Às vezes, os tão fúteis espécimes que reinam na noite tropeçam nas fúteis que aspiram a algum reconhecimento na “escala social” noctívaga. Caem no engodo, embaladas para a coisificação de si mesmas. Iludem-se e tão depressa se desiludem logo a seguir, quando se cruzam outra vez e as fúteis nem são reconhecidas. Quando a tal não chegam, resumem-se às fantasias que não cessam de passar na tela mental.
Já dei conta do primor das conversas de rainhas da futilidade. Uma vez, uma contava à outra na mesa do lado da esplanada, espumando uma excitação em sinal de febril felicidade interior, que tinha ido à ginecologista com a prima e à saída uma famosa (e igualmente fútil) apresentadora de televisão anunciava às presentes que ia parir gémeos. Disse-o com um orgulho incomparável, como se todos tivéssemos que aplaudir a façanha gestacional da senhora da tevê. Ou talvez porque estava a dar a boa nova em primeira mão, puxando os galões à paternidade da fonte informativa. Ao imperativo de reconhecer a enorme relevância da boa nova, somava-se o obrigatório tirar o chapéu à prestimosa colaboração da informadora de ocasião. Fazendo lembrar aquele lugar-comum dos cinco minutos de fama a que todos julgamos ter direito uma vez na vida.
Doutra vez, no metro, duas militantes da futilidade comentavam as recentes novidades publicadas em revista cor-de-rosa. Comentavam com um conhecimento de causa próprio de catedráticas da coisa. Opinavam sobre as vidas daquela lamentável gente que deixa as portas da vida privada escancaradas à mórbida curiosidade de quem consome o género merdoso de “informação” (assim mesmo, com aspas). O que interessava era a vida dos famosos exibida nas páginas da revista, com fotografias comprometedoras e tudo. Talvez porque, tal como a futilidade que esvoaçava com o peso do chumbo, a vida daquelas duas fúteis era tão fútil e lacunosa de interesse que só a vida dos outros era motivo de interesse (apesar dela mesma tão cheia de futilidade).
As fúteis dizem conhecer metade do mundo e terem uma noção aproximada da outra metade, com nomes decorados e caras que não esquecem, exercitando uma memória fotográfica que podia ter serventia mais útil. Ah, como fico enternecido com a caderneta de cromos que dizem conhecer e depois, ó ácida ironia, esbarram na ausente reciprocidade de reconhecimento. Mas teimam na zoeira das aspirantes a subir na “escala social” do segmento. A ilusão das cores nocturnas misturada com os lampejos psicadélicos que enfeitam os locais de culto anestesia os sentidos. É o zénite das aspirações mundanas, o altar perfeito para a consumação da futilidade que vem enfeitada pelo vestuário aprimorado e pela maquilhagem excessiva, pelo tresandar do perfume de farmácia que deixar um demorado rasto na cauda dos sítios por onde passam.
Das fúteis militantes, nada senão pena.
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