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“Que é feito do teu sorriso?”, perguntas, o tom de voz a derramar mais melancolia para cima da muita melancolia que já era consumição. “Já há tantos dias que não te vejo esboçar um sorriso”, acrescentas. E a vontade de ensaiar os músculos faciais para o exercício do sorriso escapa-se entre os dedos, ainda mais.
Todavia, há uma prostração terrível que paralisa os músculos que se compõem num delicodoce sorriso. Como se fosse um travão mental, o rosto carregado, o rosto que transpira por todos os poros uma reveladora lividez, é a imagem límpida da escuridão que tudo adormeceu. As voltas da existência parecem trazê-la a um determinado ponto, a um repetitivo ponto que se julgava não voltar a ser o ancoradouro embebido pelo denso nevoeiro. Afinal, há lições que não foram aprendidas. O sorriso que se ausentou é a imagem translúcida de um sobressalto que teima em planar com as asas bem abertas, as asas que de tão grandes preenchem tudo com uma penumbra tristonha.
Mas de que adianta encerrar o sorriso nas varas do rosto densamente fechado sobre si mesmo? Os olhos também contristados parecem clamar por piedade. E se há coisa que recusas é que alguém te ofereça comiseração. É quando uma tremenda revolta interior se apodera, uma fúria sem freio explode desde o mais fundo que há, acrescentando mais uns pós de melancolia. E, porém, a interrogação não deixa de pairar sobre o horizonte: de que adianta esconder o sorriso? Os olhos toldados por uma tristeza ímpar só servem para perpetuar a comoção interior que retira sentido aos dias que passam.
“Sabes: a cada dia que escondes o sorriso, é como se ausentasse a beleza interior que já foi tua”. O implacável diagnóstico esbarra no peito, deixa-o esmagado de dor. A auto-estima em polvorosa – mas a auto-estima, se é que ainda interessa. Olhas para trás, bem lá atrás onde o horizonte já não deixa perceber a nitidez das coisas. Insistes na negatividade ao teimar no exercício introspectivo. A angústia que te consome o sorriso é uma armadilha à lucidez. Há defeitos pessoais, ah pois há; contudo, eles não se sobrepõem às virtudes que teimas em reservar num quarto escondido. Não faças de ti a pior pessoa do mundo.
O segredo está em resgatar o sorriso, por discreto que seja. Deixá-lo planar com a frescura dos dentes à mostra, emprestando o brilho encantador aos olhos. Deixar que o sorriso se contagie aos olhos. Para fazer o funeral das coisas idas de que não há orgulho, onde cicia um inútil arrependimento. Afinal, cultivas tanto a inutilidade das memórias, a armadilha das estradas passadas a que somos convidados a regressar, e o sorriso inerte explica-se pela maceração a que te entregas pelos equívocos de outrora. Entrega-te de corpo e alma à coerência das filosofias que te inspiram, das filosofias que açambarcam muito do tempo disponível. Saibas honrar os pergaminhos das teorias que dizes serem as tuas e saberás a seguir resgatar a lucidez do sorriso.
Insistes em dizer que, por estes dias, o rosto cerrado é uma viuvez de ti mesmo. Um luto pelas tuas incapacidades interiores, da tua indisponibilidade para frutificar uma partilha. Mas a pergunta que já foi feita continua a acender o néon, repetitivamente: que serventia tem estrangulares o sorriso nas angústias que te consomem? A libertação das algemas que agrilhoam o sorriso é o segredo para sepultar essas angústias, as angústias que esperam em fila por devorar de ti mais um pedaço.
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