In http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7c/Solomon_Burke.jpg
Quando a estrela do soul, Solomon Burke, morreu, deixaram escrito no seu epitáfio mediático uma façanha que suplantava as proezas artísticas: vinte e um filhos e noventa netos. Eu digo como isto é assustador. Uma prole tão numerosa é uma singularidade nestes dias. Se Burke fosse de cá, logo diríamos que era membro devoto da Opus Dei. Não sei se será o caso (porque do epitáfio não constava o cadastro religioso do senhor), mas talvez o músico fosse evangélico, pois os evangélicos são muito atreitos à disseminação da prole. Como bons operários de deus, é-lhes cometida a incumbência da prolificar a espécie.
Uma das perplexidades contemporâneas é o problema demográfico, sobretudo nos países ricos (pois nos países pobres e noutros muito populosos o problema ainda é a elevada natalidade). Estes países envelhecem à cadência conjugada do aumento da esperança de vida e da diminuição dos nascimentos. É a maldita tecnologia que ajuda a medicina que por sua vez prolonga a vida das pessoas. Por outro lado, temos talvez o hedonismo que impacienta as pessoas para a reprodução da descendência. Ou as pessoas com a corda financeira bem apertada à garganta que pegam na máquina de calcular e percebem que não há condições para encomendar outro filho. O que sobra é mais gente velha e um problema que é económico e social: a factura cada vez mais elevada que a segurança social tem que pagar; e a incerteza de uma reforma decente quando os não velhos de hoje o forem no seu tempo.
Se fôssemos como Solomon Burke depressa passávamos do oito para o oitenta. Se todos, ou pelo menos muitos de nós, desatássemos a multiplicar a prole, este era um lugar sobrepovoado. Depressa íamos de um extremo ao outro. Do estigma do envelhecimento à escassez de recursos, com a miséria a acossar muita gente. Mas é evidente que Burke não é um exemplo, é uma excepção. O problema não se poria com um punhado de pessoas que deixaram atrás uma numerosa descendência.
Quando os olhos repousam nos números da prole de Solomon Burke, salta à vista que deve ser um traço genético. Se pusermos o noventa no divisor (o número de netos) e o vinte e um no dividendo (o número de filhos), o quociente revela a média de filhos que cada filho do senhor Burke teve: quase quatro vírgula três. Não vale a pena ensinar o padre nosso ao vigário, e vir para aqui com o lugar-comum de que as médias escondem coisas muito diferentes. O que interessa é que os filhos do senhor Burke aprenderam a lição do progenitor e, eles também, deram o seu contributo para o combate aos problemas demográficos que nos assoberbam.
Todavia, já há diferença. Os filhos de Burke não foram tão pródigos na fabricação de descendência. Um registo de quatro filhos para cada filho de Burke fica muito aquém dos vinte e um filhos que o músico deixou no testamento. O que não me é dado a imaginar é um reunião desta família – no aniversário do patriarca, ou no natal, ou num casamento. Não há casa que suporte tanta gente a amesendar. E depois suponho que o senhor Burke teria um tremendo problema: ou tinha uma memória prodigiosa, ou como seria capaz de dizer sem hesitar, à medida que, uma atrás da outra, as caras passavam diante dele, os nomes dos vinte e um filhos e dos noventa netos?
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