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O governo anuncia um “modesto” imposto sobre os bancos. É a crise: no desarranjo das contas públicas, é preciso rapar no fundo do tacho. Até os bancos, tão vilipendiados pelos mastins do capitalismo e tão generosamente tratados pelo fisco, até os bancos são chamados ao contributo colectivo para compor o que os incapazes estragaram.
No dia seguinte, o presidente da Caixa Geral de Depósitos – o banco do Estado – advertiu que o imposto vai cair nas costas dos clientes. Primeiro, existe alguma esquizofrenia nesta reacção. Por vir do banco que pertence ao Estado, o mesmo Estado que através do governo tomou a decisão de fazer recair nos bancos um quinhão do necessário aperto do cinto (apesar dessa política ser míope, pois é mais fácil aumentar impostos do que cortar despesas). Segundo, este capitalismo de meias tintas, em que empresas são detidas pelo Estado, é também esquizofrénico. A certa altura, já não se percebe o que é privado e o que é público. Com outra agravante: o Estado que quer ter mão firme na regulação da economia é, ao mesmo tempo, actor no sistema. É árbitro e jogador ao mesmo tempo, o que não abona em favor da imparcialidade do sistema.
O que mais incomoda na reacção do presidente do banco do Estado é o tiro que disparou sobre o próprio pé. Quando, no auge da crise financeira, os bancos foram generosamente ajudados para não irem à falência, os habituais detractores do capitalismo encheram o peito de ar e, orgulhosos, puxaram os galões da razão. Desfiaram todos os argumentos contra a ganância dos bancos. Neste clima tão adverso para o sistema financeiro, o presidente do banco público anuncia, com uma sobranceria inaceitável, que o imposto sobre os bancos vai ser endossado aos clientes. Ser mais desastrado não é possível.
Nem me importa ver como o presidente da CGD desautorizou o dono. Havia de ser bonito se o presidente do conselho de administração de um banco privado cuspisse em cima dos accionistas. O que importa é perceber como há gente desastrada que tanto se esforça para dar trunfos aos adversários. É a isto que chamo capitalismo suicidário. Numa época em que a imagem dos bancos é tão má, atitudes que descem ao nível desta arrogância só servem para arrastar os bancos para a lama pública. É disto que os mastins do capitalismo precisam para sobreviverem: manifestações grotescas de gente importante dos bancos e das grandes empresas, manifestações que trazem à superfície um sério problema comportamental.
Como parece que o dono tem medo do animal de estimação, tudo continua como se nada tivesse acontecido. Vamos esperar pelo tal “modesto imposto” sobre a banca, que ainda está “em estudo”. E depois veremos se os bancos cometem a imprudência de endossar a factura aos clientes. É certo que os bancos são o sistema sanguíneo da economia através do crédito que fornecem. Abusar dessa condição não abona em favor da sua imagem. E reforça as armas terçadas pelos adversários do capitalismo quando se atiram furiosamente aos bancos. Como os bancos se põem a jeito com estas exibições de sobranceria, diria que gostam de ser os patinhos feios de tanta gente.
Por improvável que possa parecer, por uma vez lá teria que acontecer – o liberal a concordar com a extrema-esquerda que odeia o capitalismo.
1 comentário:
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