8.10.10

O desterro das convicções


In http://as1249031.no.sapo.pt/caos.jpg
Ah, as certezas, as ideias feitas todas alinhadas numa fila harmoniosa. Um simulacro de perfeição. Essas convicções ungidas com os dedos dir-se-ia deificados que as põem a coberto dos questionamentos. Sem se dar conta, confundem-se com dogmas. E quando chegam ao estado de dogmas, ficam possuídas por uma doentia forma.
Nessa altura, impõe-se lucidez para interrogar as convicções. Pegar nelas e colocá-las num banco, o banco dos réus onde são inquiridas pelas acusações empunhadas. As convicções podem não passar de uma cortina de fumo para esconder fragilidades. Ou podem ser a espuma dos dias em que vegeta uma aparente firmeza, uma ilusória perfeição. O novo imperativo é desafiar as certezas estabelecidas. Uma atrás da outra, desmontá-las peça por peça, deixá-las, caóticas, estendidas no chão, embebidas na sua nudez. Para que os olhos as contemplem na sua desconstrução. Ali expostas na sua frágil desmontagem, suportam uma prova de vida.
Pode acontecer que as convicções, na sua caótica ordenação, se diluam em nada. Vão a caminho do desterro. As ideias que pareciam possuir uma inteligibilidade infalível despedaçam-se no curso dos questionamentos. À sucessão das interrogações mais lúcidas e imparciais, as convicções desfazem-se em cinzas. E depressa se perde o rasto às cinzas. Já não sobra nada. É como se um devastador incêndio tudo tivesse consumido e até as cinzas fossem levadas pelo sobressalto do vento que se pôs a seguir. Um vazio inteiro toma conta de tudo. E tudo é trespassado por uma ausência total.
Outras interrogações dolorosas sobram no restolho do devastador desterro. Estes questionamentos sinalizam a desorientação interior, uma incoerência que toma de assalto o estado comatoso do espírito, colocando-o em periódico desassossego? Haverá cansaço das convicções que se esbarram todos os dias no peito, daquelas convicções que não cessam de recordar que há palavras imperativas que são testemunho necessário para avivar as convicções? E se a rotina esgota a inteligibilidade das convicções, não cedem os pergaminhos interiores às vicissitudes do tempo e das circunstâncias? Das interrogações sobra a ambiguidade, uma claridade que se ausenta, o punhal espetado bem fundo na carne. Tudo se esvazia por dentro, naquela sensação indizível quando em mudança de casa se nota o vazio das quatro paredes outrora ocupadas.
O volátil tempo e os reveses que se perfilam, aleatórios, entreabrem a janela por onde as convicções são encomendadas ao exílio. Há uma implosão que tudo consome pelas entranhas, reduz a pó o que dantes tinham sido os intransigentes alicerces. À medida que as interrogações derrotam a intransigência dos dogmas, a rosa dos ventos entra em dissolução. Ao início, o vazio estende a mão à torturante desorientação. Sem esteios, o corpo cambaleia na sua errância. Por dentro do vazio, tudo deixa de fazer sentido. Tudo se transforma num cenário contagiado pelo aflitivo surrealismo. As cores reduzem-se à monocromia do preto e branco. Um silêncio demorado instala a dúvida sobre a surdez. Toda a comida parece ter perdido o sabor. As coisas que passam pelas mãos não despertam o tacto. E as palavras nas frases perdem-se na sua ininteligibilidade. O vazio, o tremendo deserto por diante, promete um horizonte infinito.
Algures, mais à frente, os pés hão-de descobrir um qualquer oásis para as ideias se saciarem. Enfim, o desterro terá terminado.

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