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Atiro flores. Às pessoas que passam. Aos rostos sorridentes, aos rostos que exalam toda a bondade que soa tão ingénua neste mundo que nos ensinam ser de uma perfídia atroz. Atiro as flores aos ingénuos que vivem imersos num invejável sossego interior. Das flores abundantes que trago ao regaço vou tirando um punhado para elogiar essas pessoas tão belas que são uma lição inteira.
E também atiro flores aos carrancudos, aos mal dispostos, aos desconfiados. Aos que carregam uma assombrosa frieza disfarçada em extroversão que é isso mesmo, disfarce. Atiro-as à gente macerada pelas contrariedades do passado, às pessoas que fazem gala do trato rude. Atiro uma singela flor aos pulhas que andam por aqui e por ali exibindo a sua soberba; pode ser que o perfume delicioso das flores tenha neles o efeito do encantador de serpentes que com a sua flauta as consegue hipnotizar. E não sei se hei-de atirar mais flores aos que merecem ou aos que talvez fossem merecedores de as não ter.
Atirem-me flores. Também preciso de flores. De um caleidoscópio de flores, abundantes, de uma policromia intensa, um bouquet de flores com formas tão diferentes. Flores com aroma, flores inodoras. Flores viçosas e outras que sem água depressa se derrotam no seu ocaso. Às vezes sinto que preciso de uma banheira cheia de flores onde fossem depuradas todas as impurezas que liquidam a lucidez. Ou um interminável campo de flores onde o corpo se perdesse, onde lá não pudesse ser encontrado quando houvesse demanda dele.
As flores sussurram ao ouvido os segredos da bondade. As flores entoam melodias quentes, que ciciam as avenidas frondosas onde as árvores exóticas se entronizam e flores múltiplas engalanam canteiros exuberantes. Detenho-me vagarosamente em cada canteiro e retrato mentalmente a coreografia de flores. Registo na memória do olfacto a irresistência dos perfumes atamancados no cardápio de flores. Era uma avenida a que se não via o fim. Sem polícias que não repreendessem pelo furto das flores, das flores que aprouvessem no momento. As pessoas que passavam pareciam indiferentes ao encantamento das flores. Anestesiadas pela sobressaltada vida que levam, empenhadas na pressa que subtrai o significado das coisas.
Se ao menos soubessem que o segredo está nas flores em redor, nas flores que lhes eram indiferentes, talvez dessem conta do equívoco em que teimam. As façanhas, quaisquer que sejam, são efémeras. Consomem-se no instante em que os dedos julgam que as enclausuraram. O que não lhes é dado a perceber é que assim que são emolduradas entre os dedos logo entram em decadência. Às glórias passadas só lhes é conhecida uma função: são o leito da nostalgia sem sentido, um altar de vãos narcisismos.
As flores, ao contrário, são o arquivo onde se ensinam os segredos da vida intensa. Quem traz flores ao regaço, as flores dispostas em oferendas a quem passar, não está preso às raízes do tempo passado. Através das flores que traz derrota as memórias ingratas, derrota os inúteis arrependimentos. Há generosidade, pois há. Uma pulsão interior que empurra o corpo a caminhar por avenidas desconhecidas, até por avenidas que julgara nunca percorrer. Pois as flores ao regaço são de uma magia surpreendente. Transformativas. Essas flores, e as outras que virão a seguir, ungem a existência com uns olhos que transportam em si uma ternura perene. Uns olhos que querem ser o repositório de toda a bondade.
As flores são professoras. Ensinam que desaproveitar a existência, ou torná-la maçadora, é indigno. Suicidário.
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