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“Eu disse: "acabamos a gostar do medo, do arrepio que nos suspende a fala."
Tu disseste: "um dia fiquei sem nada. Um mundo inteiro por descobrir."
Eu disse: "..."
Eu disse: "o que é que isso interessa?"
Tu disseste: "...nada"”.
Mão Morta, "Tu disseste".
A espuma dos dias monta nas sobras da atenção. Olha-se para trás. E, às vezes, tudo perde significado. Um vazio. Mergulhados num pesadelo disforme, como se os rios tivessem todos água salgada e as árvores comessem as suas raízes. Ou uma lua a rivalizar com a centelha solar nos mais altos dias soalheiros. O arrepio que corta a respiração é a apetecível adrenalina. A imersão na escuridão de um poço, pela insuportável presença da luz diurna. Uma luz frágil de uma existência diferente, de uma existência que faça sentido, acende-se. A convicção que se instala.
Mas, se calhar, nem isso importa. As pedras dos monumentos, em toda a sua grandiosidade histórica, são o grotesco grito mudo que ensina a inutilidade do passado. Ao perder o rasto aos passos de outrora, como se fosse uma exigível depuração, crava-se bem fundo o sobressalto no espírito permanentemente inquieto. Enfim, um dia herdou um despovoado nada, a angústia sublime de desconhecer se o porvir terá preenchimento.
Por isso, nada pode interessar. Nada, desde as coisas mais frágeis às que se possuem de uma força irremovível, nada ganha espessura. Porventura, o segredo é correr pelos dias numa despreocupada errância. De que servem os planos traçados pacientemente em cima de ornamentados estiradores, de que servem, se invariavelmente abortam? O sal da água corrói as pedras de tanto nelas se esmagar. Não há granito que suporte a aspereza da fúria avassaladora das ondas que sucumbem nos braços dos rochedos. E nem isso importa: o envelhecimento que sussurra traz as suas marcas, já duráveis. As rochas são inamovíveis. Estão ali, feitas para abraçar o enraivecido mar a despedaçar-se em espuma alterada. E, porém, só espuma.
De que serve pretender ser o que se não é capaz? Que interessa a frontaria firme, como se todas as dores que ali se acometem não motivassem o mínimo esgar? É que os pesares arqueiam o corpo quando ele se faz insensível sem o ser. As veias ardem por dentro e ninguém consegue apagar a fogueira incandescente, por ninguém a ver. Todavia, há um entorpecimento que toma lugar e é uma sensação agradável. O chão de pedra onde as costas se deitam deixou de ser um espinhoso leito. E não há vinho que embriague, não há palavras que magoem, ou palavras que encantem. As lágrimas secaram-se, porque tudo deixou de interessar. Já nem as pétalas sedutoras. As lentes deixaram de estar embaciadas.
“Um dia fiquei sem nada. Um mundo inteiro por descobrir”. Ou não. Não é o nada que importa, ou o tudo que reconfigura uma existência plena. As lentes embaciadas turvam a lucidez. E a lucidez não se descompõe se não perceberes que as lentes estão embaciadas. O dia mais alto, aquele onde se recolhe o adocicado, aveludado vinho, é uma promessa estéril. Que interessam os lemes e as bússolas e os ventos dominantes? Que interessam os ideários, as palavras engalanadas com emoções ferventes, ou as promessas que se depõem na sua impossibilidade?
No impassível vazio contudo não doloroso sobram apenas as memórias. As memórias todavia cadafalso. Elas incensam a irrelevância de tudo. E não, não é resignação, nem um torpor doentio. É buscar no nada a essência de algo. Até que esse algo se extinga, enfim inacessível. Enquanto for algo, será algo. Tê-lo nas mãos enquanto âncora merecedora. E é isso que interessa.
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