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Não é ainda pelas folhas caducas a fazerem o seu restolho no solo. É pelo primeiro mar furioso que se esbarra na costa, depois dos primeiros sinais de tempo tumultuoso, que o outono se anuncia. As folhas ainda não perderam viço. Perduram verdes nas ramagens à espera do seu ocaso para ganharem uma espessura enrijecida. Só nessa altura se deitam na avermelhada tonalidade que adivinha a queda ao sopro mais agreste do vento. Mas o mar, o mar encapelado, furioso, já mostrou uns fragmentos do outono. É o rotineiro calendário a repetir-se a cada ano que dobramos. O calendário das estações que repetem rituais conhecidos.
Os primeiros ventos desenfreados descompuseram as ondas do mar, revolvidas em majestosos golpes caóticos e faúlhas de espuma numa coreografia sumptuosa. Depois da tempestade pôs-se um dia soalheiro, ainda cálido. Mas no mar as ondas continuavam a cavalgar altas umas atrás das outras, desassossegando as águas que se empanturravam de soberba, assenhoreando-se do areal, deslocando pedras, invadindo os passeios feitos para as higiénicas caminhadas das pessoas.
As ondas levantavam-se a uma altura medonha, levando consigo um rasto de espuma que se libertava do topo da onda mercê da brisa que estava. Erguiam-se como se fossem cutelos ameaçadores que se queriam abater sobre os arrependidos de qualquer coisa. Tudo parecia em câmara lenta, desde o instante em que a onda se erguia do alvoraçado mar até a se desfazer com fragor, libertando uma espuma abundante que se revirava em si mesma. A coreografia de cada onda resumia-se a uns breves segundos que se pareciam demorar em minutos.
Horas mais tarde, ouvi no noticiário: uma em cada cinco pessoas tem perturbações mentais. E uma das razões é o outono que vem tomar o lugar do verão. Pelo que me é dado a ver, o outono – essa estação magnífica, a mais imponente de todas – é injustiçado. A notícia acrescentava: às primeiras chuvas, as pessoas ficam com propensão para a depressão. Fraca têmpera de quem assim é. As chuvas têm o seu lugar ao dobrar o equinócio estival – como podemos contrariar esta inevitabilidade da natureza? E a rotina, não se consome com o verão prolongado, a sucessão interminável de dias soalheiros e de calor que deixam os corpos transidos em suor? Os dias escurecem – e essa parece a razão dos mentais padecimentos. Escurecem, pela luz natural que encolhe a alvorada e o ocaso. E escurecem à mercê das chuvas diluvianas e ásperas, dançadas pelo vento desaforado. Como pode alguém logo sentir saudade do que acabou de dizer adeus?
Se estivesse com a bata branca de um psiquiatra, prescrevia aos pacientes da fobia outonal demoradas estadias à frente do mar. Para se encantarem com as furiosas cambalhotas do oceano em tempestuosa levitação. Os deprimidos atormentados por uma indomável fúria interior saberiam aplacá-la diante do mar alterado. A fúria das ondas, o bálsamo para a sua cólera interior. E aos deprimidos tomados pela inércia, poderiam lá ficar insensíveis aos gritos do mar, poderiam lá continuar impassíveis enquanto testemunhas das encrespadas águas?
Não são excessivas as loas aos fragmentos da natureza que desamarram a contemplação. Uma das suas maiores dádivas é o perfume de caos que vem com os primeiros sinais de outono. A melhor expressão dessa dádiva é o mar possuído por uma raiva explosiva, uma raiva que parece sedimentar todas as raivas que planam, escondidas, pelo interior dos espíritos em sobressalto.
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