1.10.10

Tréguas interiores


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Os padecimentos ferventes são uma pálida imagem imposta pelas austeras exigências que pairam. Havia uma intensidade impressionante, como se todos os dias fossem dias de desafio interior, a fasquia sempre elevada e a autoflagelação imperativa se um dia terminasse com o travo amargo da decepção. Era quando as decepções sobravam de acções fracassadas, de passos transviados, das desastradas palavras espontâneas, dos arrependimentos que apenas tinham o condão de manter acordado um passado que julgava adormecido.
Nada disso podia importar – convencia-se, enquanto se debatia com os fantasmas que figuravam nas alturas inatingíveis. As provações auto-impostas eram um tapete espinhoso por onde os pés nus se emprestavam a feridas que depois demoravam a cicatrizar. O mal é que as purulentas, teimosas feridas, enquanto resistiam à cicatrização, prolongavam uma agonia que tudo consumia pelo interior. Era como se o corpo estivesse em ebulição constante, tempestades cerebrais até durante o sono. E, todavia, às vezes parecia inanimado diante das coisas interessantes do mundo, como se as emoções se tivessem despido do corpo e nele se acomodasse o torpor.
Só contavam as adversidades, que tanto amadureciam à custa das intermináveis horas de introspecção. Tudo o que fosse belo, o que pudesse alimentar um rosário de recordações em momentos contemplativos, era arrumado no canto das irrelevâncias. Era como se esses belos momentos não contassem, travando o resgate do álbum das memórias. Perdiam-se na sua efemeridade. Pareciam desprovidos de conteúdo. Assim que eram sentidos logo se desgastavam na sua vacuidade. Ou, talvez, estivesse ali por dentro uma qualquer patologia que fazia desmerecer a exaltação das coisas belas ficavam em legado.
Se havia serventia nestas demoradas, dolorosas introspecções, era a claridade que enfeitava os horizontes que se ofereciam ao porvir. Era um exercício lancinante, o espírito revolvido pelas ondas alterosas que esbarravam umas contra as outras, troando trovoadas que prolongavam o sobressalto interior. Dias a fio açambarcados pelos demorados pensamentos interiores. A flagelação de uma inteligência perturbada. Quando, por fim, avistava alguma claridade entre a fuligem das derrocadas interiores, já tanto tempo passara. Tanto tempo hipotecado à absurdidade das incógnitas que insultavam a dignidade do tempo presente.
Ao chegar às águas calmas, derrotada a tremenda tempestade interior, olhava para trás e interrogava-se sobre a utilidade de tanto tempo dedicado à peregrinação da alma. Enquanto a peregrinação durava, era como se a existência ficasse adiada. A sublime incoerência, que era o precipício onde caía o corpo que afirmava, mas só em intenções, a sagração da existência que se impõe em contraste com a exiguidade do tempo que temos. Ao menos, ao sulcar as águas já calmas, percebia a quase demência do demasiado tempo consumido em deambulações interiores.
Os erros são a maior pedagogia vindoura. E os anos que não se desmentem, caução de uma maturidade que entardece mas ganha discernimento. A depurativa peregrinação interior é a cura para as tempestades que ameaçam uma terrível devastação da alma. Quando, em pacificação interior, as tréguas se acomodam num quarto bem visível, sobra a animadora impressão do provimento do exercício.

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