23.11.10

Que interessa o PIB? Viva a felicidade!


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Vinha no Público de ontem: o governo do Reino Unido está empenhado em calcular a felicidade dos súbditos. Está cansado do PIB (produto interno bruto), essa medida tão falível. Já se fala de um novo critério para posicionar os países: a FIB (felicidade interna bruta).
Não é a primeira vez que leio sobre economia da felicidade. As fragilidades do PIB são o ponto de partida dos economistas da felicidade. Parece incontestável que a frieza das estatísticas, a matéria-prima do PIB, esconde factos que estão longe da demonstração do que o PIB pretende demonstrar. É o problema das médias, uma tremenda ilusão estatística. Debaixo do PIB alojam-se os problemas sociais que todos os países têm. Pode haver gente infeliz num país bem situado no campeonato do crescimento económico, porque essa gente vive abaixo do limiar da pobreza. O que sobra é sempre a frieza dos números, dissolvendo a felicidade de quem vive imerso na miséria. Mas, mesmo aí, a miséria limita-se a calcular bens materiais. Ora a felicidade ultrapassa a dimensão material das coisas. A felicidade é sobre pessoas.
Simpatizo com a economia da felicidade. Por mais difícil que seja a tarefa de a calcular. É aqui que se abre a maior das armadilhas: a subjectividade. Um limiar de pobreza pode ser estabelecido com rigor. Mas a felicidade varia tanto de pessoa para pessoa que parece impossível medi-la com alguma objectividade. Por mais que alguém faça o seu melhor para encontrar parâmetros que meçam a felicidade. Como reagem os cientistas se duas pessoas têm comportamentos diferentes perante o mesmo parâmetro?
Tenho a impressão que a maior dificuldade está na fuga à felicidade. Na complexidade da vida moderna que nos transporta, amiúde, para os antípodas da felicidade. Às vezes, parece que mergulhamos de propósito na lama onde acamam as adversidades. Convencidos que o fazemos para melhor sentirmos o significado da felicidade, ou pura e simplesmente sem lhe encontrarmos o porquê. Eis outro óbice à economia da felicidade: a subjectividade coalha na volatilidade do tempo. Hoje posso ser indiferente a um certo acontecimento, por mais generoso que seja para a minha felicidade. Posso não estar sensível a esse acontecimento – ou à sua generosidade. Amanhã, com mais disposição, colho-o para o viveiro da minha felicidade. No primeiro dia, vou dizer que não ando muito feliz. No dia seguinte irradio felicidade. Esta volatilidade impede que a medição dos parâmetros seja objectiva. Prejudica o rigor da economia da felicidade.
Por tentativa e erro – é sugestão. E perseverança e experimentalismo. Apesar das limitações, a economia da felicidade impõe-se. É a alternativa. Na concepção dos inquéritos à felicidade da população deviam ser usadas equipas compostas por peritos de vários saberes. Os inquéritos deviam ser abertos a sugestões dos inquiridos. Melhorados ano após ano. As pessoas deviam ser sensibilizadas para a importância deste novo método. Assim como assim, quem não gosta de ser feliz – ou de pelo menos assim se sentir? E se a medição fosse uma oportunidade para a introspecção (em vez de andarem os deprimidos, ou os que pretensamente o são, a enterrar dinheiro nos divãs de psiquiatras)?
Talvez a objectividade seja o maior entrave à felicidade. A objectividade manda-nos ser reses de um rebanho obediente, cumpridores das regras alinhavadas pelos fazedores da objectividade. Saímos da linha e caem-nos em cima os adestradores da objectividade que aqui rima com cativeiro. A felicidade é ter a liberdade para sentir coisas diferentes perante o mesmo. Não há objectividade que consiga retratar esse amplexo que liberta o espírito para a sua genuína liberdade. Essa liberdade, o principal ingrediente da felicidade.

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