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Mudam as tradições. E qual é o mal? Elas enquistam-se com o tempo e com a vontade das multidões que as consagram. Às que se sedimentaram com a poeira das décadas juntam-se outras que vão tomando o seu lugar com lentidão. Quando as novas tradições soerguem o pescoço em demanda de reconhecimento, as pessoas dividem-se. Os adeptos festejam-nas como se estivessem enraizadas num passado já remoto. Os adversários invocam o descompasso com os pergaminhos culturais. Denunciam a hipoteca das tradições culturais, que cedem perante outras influências dominantes. É a globalização, estúpido.
Os anticorpos ao dia das bruxas são numerosos. Os antiamericanos primários dirigem a orquestra. É compreensível esta reacção epidérmica tão intensa. Eles consomem-se num antiamericanismo primário. E o dia das bruxas é uma invenção dos Estados Unidos. Estes são os ingredientes agridoces que não se compõem numa inventiva iguaria; transformam-se num caldo agitado e intragável.
Argumenta-se que este é mais um sinal de capitulação cultural. De como os nossos costumes comezinhos, a começar pelas celebrações talvez espúrias que preenchem o calendário, são uma porta de entrada às influências que dos Estados Unidos se estendem ao mundo. Apontam o dedo acusador aos filmes de Hollywood. O pior instrumento da suave colonização cultural que dali se estende ao mundo. Lentamente, atrás do quimérico véu da globalização que, dizem, também é cultural, impõem-se as referências culturais dos Estados Unidos.
O diagnóstico é implacável: é de capitulação cultural que se trata, com a invasão das referências culturais que são estranhas aos lugares que as importam. O mal está em que não se trata de importação voluntária; é uma exportação forçada. Adulterando as culturas que as acolhem. Agora com o dia das bruxas, como antes o tinha sido com o dia dos namorados. Quem sabe se não vamos a caminho de celebrar o dia da acção de graças, com famílias ou grupos de amigos reunidos à volta de uma mesa a trinchar o peru recheado.
Acho excessivo o diagnóstico e a alergia dos adversários do dia das bruxas (e de todas as manifestações de colonização cultural com a marca dos Estados Unidos). Podem, por influência ideológica, detestar a globalização. Apontar-lhe os piores defeitos, acusá-la das maiores iniquidades. Mas o que podem fazer para travar a imparável maré da globalização que é, também, cultural?
Neste momento, a resposta àquela interrogação não é chamada ao caso. Eu até teria simpatia pela perplexidade com que o dia das bruxas (como antes o dia dos namorados) conquistou tanta audiência entre os seus celebradores. O dia das bruxas diz-me alguma coisa? Absolutamente nada. Era capaz de pôr uma fatiota assustadora bem a jeito da celebração? Não. Mas isto chega para me alistar no exército de gente abespinhada que destila ódio pela colonização cultural que se estende através dos filmes made in Hollywood? Não chega. De que serve fazer uma tempestade em copo de água com o dia das bruxas, ou o dia dos namorados? É uma cedência aos “interesses do capitalismo”? É uma capitulação cultural, a nossa cultura aos poucos adulterada pelas influências que chegam dos Estados Unidos? E, por acaso, não são alguns desses críticos que engrossam a maré do multiculturalismo?
O dia das bruxas, o que é? Por cá não pode ter o significado que possui nos Estados Unidos. É uma cópia barata, mas uma cópia inocente. Apenas um pretexto para miúdos e graúdos vestirem fatiotas assustadores e se divertirem. E a diversão ainda não é crime, pois não?
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