4.11.10

Os olhos impenetráveis


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Notara, com alguma estranheza, que os seus olhos fugiam de cada vez que eram interpelados. Todos aqueles anos, todo um conhecimento que se julgara tão profundo. Para à profundeza chegar, faltava conseguir nadar nos seus olhos. Até em momentos de intensidade, com emoções em erupção, os olhos terminavam num paradeiro diferente. Como se tivessem receio da osmose com os outros olhos que partiam em demanda dos seus.
À passagem do tempo, notava: os olhos desejados pareciam uma parede de gelo. De um frio que rejeitava os dedos que se aproximassem, estes imediatamente queimados mal ousassem tocar os olhos tão embebidos numa frieza letal. Uns olhos assim pareciam ocultar lados escondidos, como se houvesse um desdobramento de personalidades que não podiam emergir ao conhecimento.
Eram uns olhos insondáveis. Ao começo, um mistério que alimentava o encantamento. Naqueles olhos difíceis de perscrutar, um lado misterioso por descobrir. O tempo tratou de tudo derrotar. O encantamento. Com o seu decesso, a resignação. Habituara-se: eram uns olhos que escapavam da órbita dos olhos que partiam em sua demanda. Anos a fio e uns fugazes instantes de cruzamento dos olhos apenas, sempre por acidental circunstância. Porque os outros olhos fugiam quando eram interpelados. Havia receio neles, porventura múltiplos sinais, variados diagnósticos a fazer.
Não era possível que os olhos se detivessem nos outros. Não os procuravam aprisionar através dessa demanda. Pretendiam enviar um sinal, um feixe intenso que provocasse um estremecimento, um adorável terramoto interior onde as sensações, num sobressalto tonificante, dissolvessem as impurezas todas. Quando os olhos partiam em demanda dos outros olhos eles queriam um bálsamo. Os outros olhos persistiam em ser uma alta parede que não se deixava trepar. Eram voláteis, esguios, impossíveis de apanhar. Ao cabo de todos aqueles anos, se lhe pedissem para retratar os outros olhos não era por ineptidão para o desenho que não o fazia. Era porque não se lembrava como eram os outros olhos.
O melhor conhecimento vem com a intensidade dos olhares. Da cumplicidade que se cruza quando os olhos um do outro se fundem em instantes que se eternizam. Há um mergulho nas profundezas através da janela franqueada pelos olhos. De cada vez que os olhos se entregam a esta nidificação recíproca, os livros ambos entreabrem-se em toda a sua opulência, mesmo que sejam livros discretos, livros que não trazem muito para contar. A riqueza não está no conteúdo que os livros albergam. Está na revelação dos olhos que se detêm entre si e por aí nas páginas de um livro, rico ou modesto não interessa, que se aclaram.
É de desconfiar quando uns olhos se refugiam dentro de si, quando se escapam ao entrecruzar de olhares como o diabo se adoenta com a imagem da cruz. Será o temor de expor fragilidades interiores que seriam o penhor diante do outro. Ou a vergonha de abrir uns olhos capturados na intensidade dos olhares cruzados e desvelar um obscuro lado escondido que deve ser resguardado na inacessível frieza do olhar. Esses olhos metem-se para dentro de si, fogem da interpelação do olhar. São incapazes de partilhar o que quer que seja.
Revirados para dentro de si, onde os fantasmas se acomodam em bem guardados armários, os olhos impenetráveis são como o antárctico oceano. Inóspitos, um lugar que de tanto repudiar a presença de outros olhos, não apetece visitar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Esses olhos impenetraveis ,cruzaram-se ao fim de tantos anos e perceberam que a maior cumplicidade nasce da intensidade do olhar.afinal esses olhos desejados não eram uma parede de gelo,mas um vulcão em erupção.....