11.11.10

Saudades do porvir


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Saudades de coisa alguma que tenha pertencido ao tempo que se ausentou. De ausente, esse tempo é uma impossibilidade que adorna as saudades destiladas com um insuportável pesar. Como são inúteis, essas saudades. Não é carência de obnubilar um passado. É a tremenda febre de partir em demanda do tempo por conhecer, de o tornar a quintessência da existência.
Quando a nostalgia crepita e parece aquecer o corpo, há um tempo ultrajado: o único tempo que nos é dado a receber, o tempo que conseguimos agarrar entre os dedos, ainda que todos os segundos que se consomem na sua efemeridade se transformem numa medida do tempo ausente. As saudades são uma medida melancólica que atira os corpos para o torpor. As saudades são como uma anestesia. Um parêntesis que se mete no tempo com medida, uma traição à existência que às vezes tropeça na dilacerante escassez do tempo. Como somos fautores da traição do nosso próprio tempo quando aterra, insidiosa, uma saudade qualquer que resgata o tempo já ausente?
Eu quero é sentir saudades do tempo por revelar. Do minuto seguinte, do dia de amanhã, de todos os amanhãs que estejam reservados. Em toda a sua incerteza. O porvir é a única medida do tempo que interessa. Trazer na cauda da existência um longo rol de saudades atraiçoa a apoteose do tempo vindouro. Ninguém sabe as cores e as formas do tempo que ainda está por vir. E esse é o encorajamento maior para já sentir tantas saudades desse tempo.
Podem dizer que é tão ilusória a saudade de antanho como a saudade do porvir. Até podem denunciar a quimera ainda maior quando é o tempo futuro que alimenta saudades. Dirão: ao menos temos uma medida dos dias que pertencem ao passado. Ao menos, temos uma impressão do que foi esse tempo. Não devemos renegar o tempo que se ausentou, porque é desse tempo que encontramos uma medida tangível. As saudades só têm sentido quando apontam ao tempo de outrora, ao que lá foram momentos de transcendência que arrebatam a melancolia do seu torpor ocasional. Afivelar as saudades do tempo que ainda está por chegar é a maior das impossibilidades. O desconhecimento desse tempo, o penhor da impossibilidade.
Mas é tudo ao contrário. Quem disse que as saudades exigem uma medida concreta do tempo? Quem disse que só temos saudades de pessoas, ou de marcantes acontecimentos, como se as saudades tivessem um sujeito e um predicado necessários? Os olhos da existência fitam o horizonte que desfila à sua frente. É lá que encontram a maré que vai trazer os salpicos, ora adocicados ora tingidos por uma acidez espinhosa, o palco de todos os amanhãs. E, quando chegar um desses amanhãs por que tanto anseiam as extemporâneas saudades, logo parte o sobressaltado espírito em demanda de um outro porvir.
Os dias seguintes estendem a mão à vida. Umas vezes generosos. Outras vezes complacentes, imersos numa infinita paciência que tolera a insensatez que nos atira para as estradas sem retorno. Às vezes são implacáveis, os dias futuros. As únicas saudades que têm serventia são as que interrogam o sentido do porvir. Não esquadrinham um oráculo, ou estas singulares saudades perdiam-se numa espuma vã. O seu norte é a incerteza dos amanhãs que estão por vir. Pelas surpresas, ora reconfortantes, ora dolorosas, que estão por ser conhecidas.
Estas improváveis saudades não são saudades vertidas do avesso. São a homenagem ao tempo único que sobra por conhecer.
(Funchal)

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