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Cimeira da NATO em Lisboa. Uma cidade sitiada. Os figurões da segurança temem que uns amadores do terrorismo façam detonar bombas, ou que uns endemoninhados disparem balas mortíferas contra os líderes poderosos que voam nas ruas da cidade em automóveis blindados. Há aviões que não aterram a certas horas. Lojas e restaurantes nas largas imediações do local das festividades nem sequer abrem, pois a presença de gente está vedada. Os habitantes da zona têm restrições para sair e entrar em casa. Algures em Lisboa, uma mochila abandonada, uma duvidosa mochila, foi destruída. Não fosse conter uma bomba relógio. Notícia encomendada, ou porventura a mochila lá plantada pelos serviços secretos só para se saber que as polícias estão vigilantes a tudo o que levante a menor suspeita?
A histeria da segurança é insuportável. É como se tivessem metido as liberdades de circulação em banho-maria, as afamadas liberdades de circulação legadas pela União Europeia. Por uns dias, esta terra parece que se auto-suspendeu da Europa.
Nem de propósito, há dias tentava explicar aos meus muito jovens alunos o que tínhamos quando eles não eram nascidos, quando ainda estávamos fora da Europa comunitária. Fazia-lhes espécie como se demorava tanto a atravessar a fronteira. Estavam boquiabertos quando lhes narrei os controlos de identidade e a fiscalização aleatória das malas dos automóveis em busca de contrabando. Ontem disse-lhes: vejam os noticiários e reparem como todos os carros que cá entram são detidos para inspecção de identidade dos passageiros e mais o que vier; dantes era assim.
A atestar pelas notícias, vasculha-se muito para além da identidade dos passageiros. Foram apreendidas navalhas que pouca serventia têm além do escanhoar da barba. Foram apreendidos cartazes contra a NATO. Material com elevado potencial destrutivo, como se sabe. Algumas pessoas foram impedidas de entrar no território porque pertenciam a organizações pacifistas, logo, organizações subversivas. E gente houve que não entrou porque todo o vestuário era de uma cor só: preto. Terão barrado a entrada a jovens com piercings e tatuagens (pois os piercings e as tatuagens são, também, subversivas)?
Esta cimeira arrasta consigo um simbolismo que não se pode ignorar. Por estes dias, tem sido muito difícil entrar no território, o que contrasta com as facilidades que existem para pôr os pés daqui para fora. Alguns diriam que é sinal de que nos tornámos selectivos com quem bate à porta. Faz lembrar aquelas discotecas onde era um cabo dos trabalhos convencer o porteiro a deixar entrar. Uma terra muito concorrida, portanto. Dir-se-ia que somos o epicentro do mundo. Eu diria tudo ao contrário: simbólico é que seja tão fácil fugir daqui, sem que nenhum zeloso agente da autoridade verifique a identidade dos que querem zarpar. Portas abertas para sair, mas portas muito fechadas para entrar. Um convite ao exílio. Em terras mais recomendáveis.
Lisboa está sitiada. Esta terra inteira está sitiada. Por estes dias, o que apetece é contradizer o patético slogan da publicidade oficial que enaltece o turismo indígena: o melhor é ir para fora lá fora. E regressar quando já não houver um cardume de agentes fardados a parar os automóveis na fronteira, passando tudo em revista. Por estes dias, tenho saudades da Europa que se suspendeu por uma temporaneidade que parece eterna. Por estes dias em que Lisboa, e esta terra inteira, está de pantanas.
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